Monday, February 13, 2012

Tratando a acondroplasia

Artigo publicado em Espanhol, Inglês e Português originalmente no site da Fundación Alpe (www.fundacionalpe.org) em setembro de 2011. Este texto está fora da sequência iniciada aqui no blog.


TRATANDO A ACONDROPLASIA

A acondroplasia é a causa mais comum de nanismo, com uma incidência de cerca de um caso em cada 15 a 25 mil nascimentos. A acondroplasia é mais frequentemente causada por uma mutação de novo do receptor 3 do fator de crescimento de fibroblasto (FGFR3).

Mutações do FGFR3 que levam à família de condrodisplasias da acondroplasia são causadas por uma simples substituição de um aminoácido na cadeia proteica. Em relação à acondroplasia mais de 90% dos casos possuem a substituição G380R no domínio transmembrana do receptor. O FGFR3 é principalmente expresso na região da placa de crescimento onde estão situados os condrócitos em proliferação. Esta tirosinaquinase receptora tem uma função negativa natural nos crescimento dos ossos e, devido ao fato da mutação resultar em aumento da função, os condrócitos da placa de crescimento apresentam uma taxa de proliferação reduzida e são induzidos à diferenciação terminal precoce, em comparação com indivíduos normais, o que leva ao fenótipo típico de nanismo.

Um detalhe sobre a placa de crescimento. Esse é um ambiente denso, carregado eletricamente e sem vascularização, que funciona como uma forte barreira às moléculas para alcançar os condrócitos. Testes têm demonstrado que uma difusão livre através da placa de crescimento é mais fácil para compostos com menos de 50kDa.

O que já existe em termos de estratégias farmacológicas contra o FGFR3? A melhor estratégia deveria ser aquela dirigida especificamente contra o FGFR3, como, por exemplo, com anticorpos ou inibidores de tirosinoquinases (TKI), mas outras opções são aceitáveis. Algumas dessas modalidades indiretas funcionam contrabalançando os efeitos do FGFR3 no crescimento ósseo, embora não reduzam a atividade do receptor mutante.

•Anticorpos anti-FGFR3 têm sido desenvolvidos e mostram forte e estável afinidade e especificidade com o receptor. O principal problema é que a maioria deles é muito grande (mais do que 50kDa) e alguns testes já realizados mostraram que a dose necessária para se obter um efeito terapêutico em um modelo murino de acondroplasia era tóxica e letal.

•Vários TKIs já disponíveis apresentam atividade contra o FGFR3, no entanto nenhum deles parece específico o bastante para ser desenvolvido para a acondroplasia. Muitos desses TKIs apresentam ação também, por exemplo, contra o receptor de fator de crescimento do endotélio vascular (VEGFR), outra enzima receptora com ações importantes. O TKI NF-449 é o mais recente e promissor TKI publicado. O NF-449 parece ser mais específico que os outros TKIs, mas ainda encontra-se na fase de pesquisa básica.

•O paratormônio (PTH) apresenta uma importante ação no crescimento ósseo. Uma proteína relacionada ao PTH, a PTHrP é um fator local chave, responsável por manter os condrócitos em um estado proliferativo, dessa forma influenciando positiva e fortemente o crescimento ósseo.

Análogos do PTH e outros agentes que induzem uma liberação sustentada de PTH têm sido explorados para o tratamento da osteoporose e, até recentemente, havia grupos explorando as ações do PTHrP em modelos de acondroplasia. Alguns análogos do PTH, como o teriparatide, são comercializados para tratamento de osteoporose em adultos. A Food and Drug Administration (FDA) impôs severas restrições ao uso do teriparatide. Por exemplo, seu uso é proibido em crianças, porque o teriparatide mostrou induzir osteossarcoma em ratos tratados com doses muito altas desse análogo do PTH por toda a vida. As autoridades temem que os efeitos anabólicos do teriparatide poderiam levar a um risco aumentado de desenvolvimento de câncer em jovens, pois as crianças têm uma natural atividade metabólica elevada e estariam mais sujeitas à transformação neoplásica. É importante notar que desde seu lançamento, não há um único reporte ligando o teriparatide a osteossarcoma em seus usuários.

• As menaquinonas, representadas principalmente pela menatetrenona (MK-4), são compostos pertencentes à família da vitamina K2. No Japão, a MK-4 é usada no tratamento e prevenção de osteoporose e também como tratamento adjuvante em câncer de fígado avançado.

Um estudo recente demonstrou que a MK-4 reduz a expressão de FGFR3 nas células de câncer de fígado, ajudando assim a induzi-las à morte celular programada (apoptose). É possível que o mesmo efeito sobre o FGFR3 pudesse ser visto em condrócitos, mas isso precisa ser testado.

A dose recomendada de MK-4 para osteoporose é de 45mg/dia (menos de um 1mg por dia em um adulto com 50kg). Esta dose já é muito mais alta que a dose nutricional padrão adotada por autoridades de saúde ao redor do mundo.

Mais recentemente, um grupo japonês, estudando os efeitos de longo prazo de altas doses de MK-4, descobriu que aqueles ratos alimentados com MK-4 cresceram mais que os controles. No entanto, a dose de MK-4 a que os ratos foram expostos, de 30 mg/kg/dia, é muito maior do que a dose para osteoporose e muito mais ainda do que as doses nutricionais. Embora a MK-4 tenha um excelente perfil de segurança nas doses recomendadas para o tratamento da osteoporose, uma minoria dos pacientes apresenta aumento das enzimas hepáticas. Dessa forma, até que testes específicos em acondroplasia para verificar se reduz a expressão do FGFR3 e que seu perfil de segurança seja verificado em doses maiores do que as usadas, é muito cedo para dizer que a MK-4 ou outras menaquinonas teriam algum papel na acondroplasia.

• O peptídio natriurético do tipo C (CNP) é um fator natural positivo para o crescimento de condrócitos, pois atua reduzindo a taxa de progressão dessas células a um estado mais maduro, chamado de hipertrofia. Ele é liberado localmente na placa de crescimento e não parece ter efeitos sistêmicos significativos, mesmo em doses altas. Um grupo da Universidade de Kyoto em associação com a Chugai, uma indústria farmacêutica japonesa, tem desenvolvido um análogo do CNP que está francamente em desenvolvimento pré-clínico em modelos murinos. Esse análogo parece resgatar muitas características do fenótipo da acondroplasia. O problema é que eles estão trabalhando com um modelo de infusão contínua de CNP e este tipo de estratégia de tratamento tem várias limitações de ordem prática. Para resolver esse problema potencial, o laboratório Biomarin está desenvolvendo outro análogo do CNP (BMN-111) para injeções subcutâneas diárias. Os resultados preliminares são promissores e a Biomarin planeja solicitar autorização para estudos clínicos já em 2012.

Em resumo, atualmente a mais promissora opção terapêutica para acondroplasia o análogo do CNP BMN-111, cujo início dos testes em humanos está planejado para 2012. Outras potenciais estratégias incluem o bloqueio do FGFR3 com inibidores específicos como o NF-449, e o uso de PTH ou PTHrP para contrabalançar os efeitos do FGFR3. A MK-4 ou outras menaquinonas precisam ser testadas antes de serem consideradas para acondroplasia devido às altas doses farmacológicas que supostamente seriam necessárias para produzir algum efeito sobre o FGFR3.

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