Thursday, July 19, 2018

Tratando a acondroplasia: novidades sobre vosoritide, meclizina, TA-46 e a questão sobre placebo

Novidades

Há algumas novidades sobre três das estratégias terapêuticas mais avançadas para a acondroplasia desde o último artigo do blog em abril.

Vosoritide

Em maio passado, a FDA realizou uma reunião conjunta dos conselho consultivos de pediatria e endocrinologia para tratar de questões relacionadas ao desenvolvimento clínico do vosoritide na acondroplasia, tais como quais parâmetros devem ser escolhidos para conferir a resposta ao tratamento, duração dos estudos, uso de placebo e outros tópicos técnicos. Você pode assistir a uma gravação dessa reunião através deste link fornecido pelo FDA (~ 5 horas, em inglês; disponível até 30Sep2018).

Pouco tempo depois da reunião, o desenvolvedor do vosoritide anunciou o início do estudo em bebês e crianças menores de cinco anos, e publicou uma descrição deste estudo no clinicaltrials.gov.

O que isso significa em termos práticos?

Primeiro, parece que as preocupações sobre segurança e sobre os objetivos a serem seguidos em estudos futuros foram resolvidas, resultando na FDA autorizando o estudo infantil depois de um atraso considerável. Essa autorização também me permite pensar que, neste momento, há evidências suficientes de que existe um efeito positivo do vosoritide, mesmo que não seja consistente o suficiente por enquanto (ampla variabilidade dos dados devido ao pequeno número de participantes no estudo de fase 2 ?).

Dada a história natural da acondroplasia, uma condição genética que começa a afetar o crescimento ósseo antes do nascimento, existe a expectativa de que o início do tratamento o mais breve possível após o nascimento pode resultar em melhor resposta de crescimento, promovendo melhor desenvolvimento ósseo e reduzindo várias complicações clínicas que são comuns no início da vida em crianças afetadas. Portanto, é realmente uma boa notícia que eles estejam começando este estudo infantil.

Meclozina / Meclizina

A meclozina é um medicamento antigo vendido sem receita médica, usado há muito tempo para aliviar o enjoo de movimento em adultos e crianças com mais de 12 anos de idade. Recentemente, foi demonstrado que promove o crescimento ósseo em um modelo animal de acondroplasia. Depois de alguns estudos complementares (1-4), o grupo japonês que trabalha com a meclozina iniciará um estudo de fase 1 em crianças com acondroplasia (https://upload.umin.ac.jp/cgi- open-bin / ctr_e / ctr_view. cgi? recptno = R000037683). Este estudo foi elaborado para ajudar a entender qual é o destino da meclozina em crianças pequenas (farmacocinética).

O desenvolvimento clínico da meclozina é facilitado pelo fato dela ser uma droga antiga com um perfil de segurança conhecido, portanto, o estudo da fase 1 não deve causar nenhuma surpresa, embora possamos ver potenciais diferenças metabólicas na população mais jovem em comparação com o que é visto em adultos. Com base na escassa informação fornecida em seu registro, parece que este estudo ajudará a definir a dose certa (uma vez vs. duas vezes por dia?) Para o eventual estudo de fase 2. Essa é uma boa notícia também, especialmente porque a meclozina, se provada eficaz, mesmo que menos potente que o vosoritide, seria uma opção razoável para a acondroplasia: é uma droga oral com preço muito acessível e disponível como um medicamento genérico em muitos países, então poderia ser acessível a todos.

TA-46 (FGFR3 solúvel)

O desenvolvedor do TA-46 anunciou recentemente que estaria iniciando o estudo de história natural com crianças com acondroplasia na Bélgica. A descrição do estudo, chamado Dreambird, ainda está para ser publicada em registros de ensaios clínicos (sem registro até 18 de julho de 2018), mas acho que não será diferente do similar estudo conduzido pelo desenvolvedor do vosoritide, o qual você pode conferir aqui.

O TA-46 estava sendo testado em um ensaio clínico de fase 1 no início deste ano e, uma vez que não houve nenhuma informação sobre questões de segurança até agora, vejo isso como evidência para o progresso do TA-46 para a fase 2 em curto prazo. O estudo da história natural para o vosoritide exige que as crianças sejam acompanhadas por pelo menos seis meses antes de serem incluídas em um estudo com tratamento ativo, de modo que posso deduzir que o mesmo poderia acontecer no Dreambird, em preparação para o estudo de fase 2 do TA-46. Dadas essas suposições, pode-se prever que o estudo da fase 2 com TA-46 poderia começar no primeiro trimestre de 2019. Vamos ver.

Nenhuma notícia nova dos desenvolvedores do TransCon-CNP e do infigratinib ou sobre estatinas até 19 de julho de 2018.
__________________________________________________________________________________

Usando placebo em estudos clínicos para a acondroplasia

A acondroplasia, como os leitores deste blog sabem, começa antes do nascimento e afeta um programa de crescimento ósseo rigidamente controlado, o qual tem uma data de expiração. Quanto mais tempo demorar para iniciar qualquer terapia para a acondroplasia, menor é o tempo para respostas terapêuticas significativas no contexto desse distúrbio genético, que tem uma data de expiração (repito aqui para dar ênfase a este conceito).

Eu estive na reunião da FDA em maio e assisti ao debate do comitê consultivo sobre o uso de placebo nos estudos em acondroplasia. Não concordo com o racional utilizado e aceito naquela reunião. Creio que é uma questão relevante entender se é apropriado usar placebo em estudos com drogas direcionadas para a acondroplasia (veja a gravação da FDA!). É decepcionante que reguladores e especialistas médicos não encontrem estratégias alternativas para definir uma resposta terapêutica significativa sem o uso do placebo como comparador.

Basicamente, o placebo é utilizado para confirmar que as respostas a um dado tratamento ativo são resultado do efeito desse tratamento e não causadas por vieses de qualquer tipo, ou por acaso ou sorte. É um método bastante justo quando não há danos previsíveis para o participante, mas em certos contextos, como em doenças e condições raras, o uso de placebo em um estudo pode ser considerado inadequado por representar um fardo injusto para os participantes que tomam um comparador inativo, e que não pode ser compensado mais tarde. E este é exatamente o caso da acondroplasia.

Pode-se argumentar que ainda não existe uma terapia comprovada para a acondroplasia, bem como que a droga experimental (neste caso, o vosoritide) ainda não se mostrou segura e eficiente, portanto não haveria nenhum dano previsível em permitir o uso de placebo em um estudo com essa droga. No entanto, no caso da única droga agora em ensaios clínicos para a acondroplasia, vosoritide, há duas evidências que apontam que, pelo menos parcialmente, melhora o crescimento ósseo nessa condição e não apresenta problemas significativos de segurança. Em primeiro lugar, como assinalei acima, não houve nenhuma questão de segurança relevante até agora, de acordo com as informações publicadas e o que posso inferir das decisões recentes da FDA. Segundo, a informação disponível sobre os parâmetros de eficácia também aponta para resultados positivos, mesmo que eles não sejam convincentes o suficiente até agora, como podemos deduzir assistindo a gravação da reunião da FDA, em que há breves referências ao que foi discutido durante a sessão fechada entre a FDA, o comitê consultivo e o desenvolvedor do vosoritide.

O Relatório Belmont (1979), um dos documentos mais influentes que ajudaram a criar regulamentos para a pesquisa clínica ética, estabeleceu três pilares para a pesquisa clínica ética:

  • beneficência
  • não-maleficência
  • justiça
Conquanto outros documentos mais recentes, como a atualizada Declaração de Helsinque (DH) e o Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Produtos Farmacêuticos para Uso Humano (ICH), principais fontes atuais para a pesquisa clínica ética, não usem especificamente a palavra justiça, a noção de justiça está embutida em várias seções desses documentos (por exemplo: DH: princípios 17 e 33; ICH E10: Seções 1.3.5 e 2.5).

O ICH E10 oferece outras opções sem uso de placebo para avaliar a eficácia e a segurança em situações especiais. Existem outros métodos que podem ser implementados para prevenir ou mitigar vieses ou interferência indevida na qualidade e confiabilidade dos dados enquanto se protege os participantes do estudo contra previsíveis danos (ver ICH E10). No caso da acondroplasia, o dano previsto refere-se ao ano inteiro de crescimento adicional que as crianças expostas ao placebo em um estudo perderão e que não pode ser compensado posteriormente.

Considerando o curto período de tempo que as crianças com acondroplasia têm para crescer (assim como todas as crianças não afetadas), permanece a questão se é apropriado submetê-las a um ano de exposição ao placebo antes de permitir que recebam a terapia apropriada. Este é agora o caso do vosoritide. Esse também será o caso das terapias futuras, se os requisitos para estudos com população-alvo inadequada e estudos clínicos com desenhos questionáveis ​​não mudarem.

Referências

1. Matsushita M et al. Meclozine facilitates proliferation and differentiation of chondrocytes by attenuating abnormally activated FGFR3 signaling in achondroplasia. PLoS One 2013; 8(12):e81569.

2. Matsushita M et al. Meclozine promotes longitudinal skeletal growth in transgenic mice with achondroplasia carrying a gain-of-function mutation in the FGFR3 gene. Endocrinology 2015;156(2):548-54.

3. Matsushita M et al. Maternal administration of meclozine for the treatment of foramen magnum stenosis in transgenic mice with achondroplasia. J Neurosurg Pediatr 2017;19(1):91-95.

4. Matsushita M et al. Clinical dosage of meclozine promotes longitudinal bone growth, bone volume, and trabecular bone quality in transgenic mice with achondroplasia. Sci Rep 2017;7(1):7371.





Treating achondroplasia: news on vosoritide, meclizine, TA-46, and the question about placebo

News

There have been new developments for three of the most advanced therapeutic strategies for achondroplasia after the last blog's article in April.

Vosoritide

On last May, the FDA held an advisory board committee meeting to address questions related to the clinical development of vosoritide in achondroplasia, such as which parameters should be chosen to follow treatment's response, duration of studies, use of placebo and other technical topics. You can watch a recording of that meeting through this link provided by the FDA (~5 hours; available through 30Sep2018).

Soon after that meeting, the developer of vosoritide announced the start of the infant/toddler study, and published a description of this study at clinicaltrials.gov.

What does this mean in practical terms?

First, it seems that safety concerns over vosoritide and about the endpoints to be followed in future studies have been addressed, resulting in the FDA authorizing the infant study after a considerable delay. This authorization also allows me to think that, at this point, there is enough evidence that a positive effect of vosoritide does exist, even if it was not consistent enough for now (broad data variability due to small number of participants in the phase 2 study?).

Given the natural history of achondroplasia, a genetic condition that starts impacting bone growth before birth, there is an expectation that beginning a therapy as soon as possible after birth may result in better growth response, not only by promoting better bone development but also by reducing several clinical complications that are common early in life in affected children. Therefore, it is indeed good news that they are starting this infant study.

Meclozine/meclizine

Meclozine is an old non-prescription drug for long used to alleviate motion sickness in adults and children over 12 year old. Recently, it has been shown to promote bone growth in an animal model of achondroplasia. After additional pre-clinical studies performed in the last few years (1-4), the Japanese group working with meclozine will soon start a phase 1 study in children with achondroplasia. This study is designed to help understanding what is the fate of meclozine in younger children (pharmacokinetics).

The clinical development of meclozine is facilitated by the fact that it is an old drug with a known safety profile, so the phase 1 study should not bring any surprise, although we might see eventual metabolic differences in the younger population compared to what is seen in adults. Based on the scarce information provided in their registry, it seems also that this study will help to set the right dosing (once vs. twice a day?) for the eventual phase 2 trial. Good news here, too, specially because meclozine, if proven effective, even if weaker than vosoritide, would be a reasonable option for achondroplasia: it is an oral drug with a very affordable price and available as a generic drug in many countries, so it would be accessible to all.

TA-46 (soluble FGFR3)

The developer of TA-46 recently announced that they would be starting the natural history study with children with achondroplasia in Belgium. The description of the study, called Dreambird, is yet to be published in clinical trial registries (as of 18Jul2018), but I think it will not be different from the similar one conducted by the developer of vosoritide, which you can check here.

TA-46 was being tested in a phase 1 clinical trial earlier this year and, since there has been no information at all about safety issues until now, I see this as an evidence that the developer will progress TA-46 to phase 2 in short term. The natural history study for vosoritide requires that children should be followed for at least six months before being enrolled in an active drug study, so I can deduct that the same could happen in Dreambird in prepapration for the TA-46 phase 2 study. Given these assumptions, one can predict that the phase 2 study with TA-46 could be starting in the first quarter of 2019. Let's see.

No news from the developers of TransCon-CNP and infigratinib, or statins as of 19Jul2018.

_____________________________________________________________________

Using placebo in clinical trials for achondroplasia


Achondroplasia, as the readers of this blog know, starts before birth, and affects a tightly controlled bone growth program which has an expiry date. The longer it takes to start any therapy for achondroplasia, the shorter is the time for meaningful therapeutic responses in the context of this genetic disorder, which has an expiry date (repeating just to reinforce the concept).

I was there at the FDA meeting watching while the advisory committee debated about the use of placebo for achondroplasia. I disagree with the general course of their rationale. I keep the question whether it is appropriate to use placebo in studies with drugs targeting achondroplasia (watch the FDA recording!). It is disappointing that regulators and medical experts won't find alternative strategies to define a meaningful therapeutic response without the use of placebo as a comparator. 

Basically, placebo is used to confirm that responses to a given active treatment are a result of the effect of that treatment and not caused by biases of any kind, or by chance or serendipity. It is fair enough when there is no predictable harm for the participant, but in certain settings such as in rare diseases and conditions, the use of placebo in a study could be considered inappropriate for posing unfair burden on participants taking an inactive comparator, that cannot be compensated later. And this is exactly the case of achondroplasia. 

One could argue that there is no proven therapy for achondroplasia yet, as well as that the experimental drug has not been proven safe and efficient yet, so there would be no predictable harm in allowing the use of placebo in a study with that drug. However, in the case of the only drug right now in clinical trials for achondroplasia, vosoritide, there are two pieces of evidence pointing that it will, at least partially, improve bone growth in this condition without major concerns on safety aspects. First, as I mentioned above, there has been no relevant safety issue so far, according with the published information and what I can infer from the later FDA decisions. Second, the available information about efficacy endpoints also lists positive outcomes, even if they have not be convincing enough till now, as we can deduct by watching the FDA meeting recording, from brief references during the open session to what has been discussed during the closed session among the FDA, the advisory committee and the vosoritide's developer.

The Belmont Report (1979), one of the most influential documents that helped creating regulations for ethical clinical research, set three pillars of ethical clinical research:
  • beneficence
  • non-maleficence
  • justice
While other more recent documents such as the updated Declaration of Helsinki (DH) and the The International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use (ICH), main sources for today's ethical clinical research, do not specifically use the word justice, the notion of justice is embedded in several sections of those documents (e.g.: DH: principles #17 and #33; ICH E10: Sections 1.3.5 and 2.5).

The ICH E10 provides other options to assess efficacy and safety in special situations. There are other methods that can be implemented to prevent or mitigate bias or undue interference on data quality and reliability while protecting study participants (see ICH E10) from predicted harm. In the case of achondroplasia, predicted harm refers to the entire year of additional growth that children exposed to placebo in a study will lose and that cannot be compensated later.

Considering the short timeframe children with achondroplasia have to grow (as all non-affected children), the question remains whether it is appropriate to submit them to one year of exposure to placebo before allowing them to receive appropriate therapy. This is now the case of vosoritide. This will be also the case for the upcoming therapies, if  requirements for studies with an inappropriate target population and questionable study designs don't change.

References

1. Matsushita M et al. Meclozine facilitates proliferation and differentiation of chondrocytes by attenuating abnormally activated FGFR3 signaling in achondroplasia. PLoS One 2013; 8(12):e81569.

2. Matsushita M et al. Meclozine promotes longitudinal skeletal growth in transgenic mice with achondroplasia carrying a gain-of-function mutation in the FGFR3 gene. Endocrinology 2015;156(2):548-54.

3. Matsushita M et al. Maternal administration of meclozine for the treatment of foramen magnum stenosis in transgenic mice with achondroplasia. J Neurosurg Pediatr 2017;19(1):91-95.

4. Matsushita M et al. Clinical dosage of meclozine promotes longitudinal bone growth, bone volume, and trabecular bone quality in transgenic mice with achondroplasia. Sci Rep 2017;7(1):7371.