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Tuesday, February 4, 2020

Tratando a acondroplasia: o papel das estatinas no tratamento da acondroplasia

Estatinas restauram o crescimento ósseo em um modelo animal de acondroplasia

Como muitos de vocês devem saber, há alguns anos um grupo japonês publicou um
elegante trabalho  mostrando que as estatinas, uma família de medicamentos amplamente usada para reduzir os níveis de colesterol, foram capazes de restaurar o crescimento ósseo em um modelo animal de acondroplasia (1). No entanto, os pesquisadores não conseguiram elucidar como esses medicamentos estavam funcionando em seu modelo. Posteriormente, o grupo liderado por Pavel Krejci publicou um estudo no qual descartavam qualquer ação direta das estatinas nas vias do receptor do fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3) (2).

Agora, parece que o mecanismo pelo qual as estatinas poderiam restaurar ou promover o crescimento ósseo pode ter sido revelado, com a publicação de um novo estudo em que pesquisadores observaram que a fluvastatina, uma das estatinas, era capaz de aumentar a atividade de um eixo chave de enzimas que regulam positivamente o crescimento ósseo, a via IHH-PTHrP (IHH: Indian Hedgehog; PTHrP: peptídeo (ou proteína) relacionado ao hormônio da paratireóide) (3). Eu já havia revisto este estudo em detalhes em um artigo de outubro do ano passado.

Isso parece complicado mas, em resumo, o crescimento ósseo é o resultado de um processo celular dentro de estruturas chamadas placas de crescimento, localizadas nas extremidades dos ossos longos (Figura 1). Lá, os condrócitos (as células mestres do crescimento ósseo), reagindo a muitos agentes, passam de um estado de repouso a um frenesi de alta proliferação e, finalmente, aumentam várias vezes de volume (ou tamanho) (Figura 1), dando espaço a novo tecido ósseo. É o ciclo celular
contínuo de "despertar, proliferar, aumentar" do condrócito que alonga os ossos. Esse ciclo celular é fortemente regulado e a IHH e o FGFR3 são fundamentais para modular como os condrócitos se multiplicam e aumentam. O eixo IHH-PTHrP é especialmente importante no estágio de proliferação (4) e mutações no receptor PTHrP que prejudicam sua atividade normal causam uma displasia esquelética rara chamada displasia metafisária de Jansen (5), na qual os ossos estão severamente encurtados. Além disso, estudos anteriores mostraram que o FGFR3 reduz a atividade da via IHH-PTHrP (6) e que o PTH foi capaz de restaurar o crescimento em modelos de acondroplasia em camundongos (7,8).

Figura 1. Placa de crescimento.
 
 
Quando em estado normal, o FGFR3 inibe a proliferação e a hipertrofia dos condrócitos
por meio de algumas cascatas enzimáticas no interior dos condrócitos, as vias STAT1 e RAS-RAF-MEK-ERK (também chamada MAPK) (Figura 2 ), em um nível que permite o crescimento ósseo equilibrado. Na acondroplasia, devido à mutação em sua estrutura, o FGFR3 está trabalhando excessivamente, bloqueando bastante todo o processo de crescimento. Sob esse modelo, com a hiperatividade do FGFR3, menos condrócitos despertam do estado de repouso e menos proliferam e aumentam para permitir a construção de novo osso.

Figura 2. Vias ativadas pelo FGFR3 no condrócito.
Vias de sinalização ativadas por FGF/FGFR. FGFs induzem dimerização, ativação de quinase e transfosforilação de resíduos de tirosina de FGFRs, levando à ativação de vias de sinalização a jusante. Várias vias são estimuladas pela sinalização de FGF/FGFR, como as vias Ras-MAP quinase, PI-3 quinase/AKT e PLC-γ. Além disso, a sinalização de FGF também pode estimular a via STAT1/p21. A sinalização de FGF/FGFR também fosforila a proteína Shc e Src. FGF/FGFR desempenham papéis cruciais na regulação da proliferação, diferenciação e apoptose de condrócitos por vias de sinalização a jusante. De Su N et al. 2014. Reproduzido aqui apenas para fins educativos.
Estratégias terapêuticas atuais

Atualmente, existem quatro terapias para a acondroplasia em desenvolvimento clínico, explorando três estratégias diferentes. A mais avançada é um análogo do peptídeo natriurético do tipo C (CNP) chamado vosoritide (9). Outro análogo do CNP também está sendo testado (10). O CNP trabalha naturalmente contrabalançando os efeitos de uma das vias do FGFR3, chamada MAPK, que controla o ritmo da hipertrofia dos condrócitos, mas tem um efeito mínimo ou nulo na via do FGFR3 responsável por reduzir a proliferação dos condrócitos, de acordo com evidências publicadas até agora (11) (Figura 3). Existem vários artigos neste blog em que analisamos o CNP, basta visitar a página de índice para saber mais sobre ele.

Figura 3. Estratégias terapêuticas para acondroplasia.

A figura acima mostra os locais de ação do CNP, da meclizina e também dos inibidores de tirosina quinase (TKI) NF449 e A31, que funcionam como o infigratinib. De Matsushita M et al. (2013). Reproduzido aqui apenas para fins educacionais.

As outras duas estratégias visam diretamente o FGFR3, mas usando abordagens distintas. Um dos medicamentos, chamado recifercept, é de fato uma forma modificada de FGFR3 sem o gancho que normalmente ancora essa enzima na membrana celular dos condrócitos, permitindo que essa molécula circule livremente quando administrada (12). É por isso que é chamado de "receptor solúvel" (lembre-se de que o FGFR3 é uma enzima receptora). Então, como o recifercept funciona? Como você deve saber, o FGFR3 é um tipo de interruptor na parede dos condrócitos: ele precisa de um dedo (os FGFs, os ligantes) para ligar (ativar) e exercer suas funções (Figura 4). Ao circular livremente no corpo, o recifercept pode alcançar as placas de crescimento e capturar esses FGFs antes que eles ativem o FGFR3 (funciona fora da célula), explicando por que também é chamado de armadilha de ligantes (ligand trap, em inglês). A consequência é que, se o FGFR3 não estiver ativado, ele não poderá bloquear o ciclo celular do condrócito e o crescimento poderá ser restaurado (12). Aqui, você vê que o recifercept pode inibir todas as vias do FGFR3, portanto teria efeitos tanto nas fases de proliferação e hipertrofia dos condrócitos. Em teoria, seria mais potente que os análogos do CNP.


Figura 4. Armadilha de ligante.
 
Uma ilustração da estratégia de armadilha de ligantes. O interruptor na parede representa o FGFR3 e o dedo um ligante do FGFR (um FGF). O FGFR3 é ativado quando um FGF se liga a ele. A armadilha (decoy ou trap) é feita de uma forma "livre" de FGFR3, que compete com o interruptor da parede celular, impedindo sua ativação.

A terceira estratégia está sendo explorada com o infigratinib (13). Essa molécula é chamada inibidor da tirosina quinase (TKI) e é capaz de se ligar a parte do FGFR3 responsável por ativar suas vias no interior do condrócito (Figura 3). Nesse caso, o FGFR3 continua sendo ativado fora da célula pelos FGFs, mas é incapaz de ativar suas vias dentro da célula. Isso significa que o infigratinib pode ser mais potente que os análogos do CNP, também afetando as duas fases principais do ciclo celular dos condrócitos.


Como esses achados sobre as estatinas se encaixam no cenário terapêutico da acondroplasia?

À medida que nosso entendimento de como as estatinas funcionam na placa de crescimento está avançando, podemos pensar em uma estratégia em que combiná-las com os análogos do CNP possa resultar em um efeito aprimorado no crescimento ósseo. Esse conceito também é aplicável à meclizina, que também atua inibindo a mesma via MAPK que o CNP inibe (14) (Figura 3). Por um lado, o CNP (ou meclizina) trabalharia para restaurar a capacidade dos condrócitos aumentarem e amadurecerem (hipertrofia), enquanto as estatinas atuariam para restaurar a atividade do eixo IHH-PTHrP, o que, por sua vez, ajudaria os condrócitos a recuperar sua capacidade de proliferação. para uma melhor resposta global do crescimento ósseo.

No entanto, é claro que essa hipótese precisa ser testada em um modelo pré-clínico adequado como prova de conceito antes de qualquer etapa posterior. Por exemplo, alguém poderia pensar em um estudo com quatro braços: controle (placebo), somente CNP, somente estatina e CNP+estatina, o que permitiria aos pesquisadores determinar se haveria algum efeito sinérgico com essa combinação.

As terapias combinadas também podem permitir uma redução das doses necessárias para alcançar os efeitos desejados no crescimento ósseo de cada um dos agentes sendo testados, reduzindo assim os riscos de efeitos indesejados. Por exemplo, um risco conhecido associado aos TKIs contra FGFRs usados ​​no câncer é a hiperfosfatemia (15). Sabemos que a dose de infigratinib testada para acondroplasia é muito menor que a usada para o câncer (13), portanto o risco desse tipo de efeito colateral também seria menor, mas, e se a combinação com uma estatina pudesse reduzir ainda mais esse risco, permitindo uma dose ainda mais baixa do TKI?

Como eu disse acima, modelos apropriados devem ser testados quanto à segurança e eficácia antes que qualquer uma dessas idéias possa avançar, mas o objetivo aqui é compartilhá-las e inspirar pesquisadores interessados ​​em encontrar soluções para a acondroplasia e muitas outras displasias esqueléticas.

 
Se você segue este blog, é possível que você já saiba que as terapias para displasias relacionadas ao FGFR3 podem não apenas ser aplicáveis ​​a vários outros tipos de displasias ósseas nas quais o FGFR3 desempenha um papel no mecanismo da doença, mas também em outras não relacionadas ao FGFR3, também. Um exemplo vem do desenvolvedor do vosoritide, que iniciou um programa para algumas formas de baixa estatura idiopática (veja mais informações aqui e aqui; em inglês; esses links levarão a duas apresentações em pdf. Nelas, basta procurar por acondroplasia. A primeira tem mais detalhes). Outro exemplo vem de um estudo com infigratinib, no qual os pesquisadores descobriram que a inibição do FGFR3 teve efeitos positivos em dois modelos animais de displasias graves associadas a mutações no gene transportador de sulfato (SLC26A2), que também causam a displasia diastrófica (16).

As coisas estão melhorando e, embora resultados definitivos de todas as iniciativas em andamento e futuras ainda demorem alguns anos para serem disponibilizados, é reconfortante saber que, em um futuro não muito distante, muitas crianças serão poupadas de enfrentar as muitas complicações médicas que frequentemente ocorrem em displasias ósseas e terão melhor qualidade de vida.

ps. Você pode encontrar muito mais informações sobre todas as estratégias revisadas brevemente aqui em outros artigos do blog. Visite a página de índice.


Referências


1. Yamashita A et al. Statin treatment rescues FGFR3 skeletal dysplasia phenotypes. Nature 2014; 513 (7519):507-11.

2. Fafilek B et al. Statins do not inhibit the FGFR signaling in chondrocytes. Osteoarthritis Cartilage 2017; (9):1522-30.

3. Ishikawa M et al. The effects of fluvastatin on Indian Hedgehog pathway in endochondral ossification. Cartilage 2019; 22:1947603519862318. doi: 10.1177/1947603519862318. [Epub ahead of print]

4. Kronenberg HM. Developmental regulation of the growth plate. Nature 2003; 423 (6937):332-6.

5. Calvi LM, Schipani E. The PTH/PTHrP receptor in Jansen's metaphyseal chondrodysplasia. J Endocrinol Invest 2000;23(8):545-54.

6. Chen L et al. A Ser(365)-->Cys mutation of fibroblast growth factor receptor 3 in mouse downregulates Ihh/PTHrP signals and causes severe achondroplasia. Hum Mol Genet 2001; 10(5):457-65.

7. Ueda K et al. PTH has the potential to rescue disturbed bone growth in achondroplasia. Bone 2007;41(1):13-8.

8. Xie Y et al. Intermittent PTH (1-34) injection rescues the retarded skeletal development and postnatal lethality of mice mimicking human achondroplasia and thanatophoric dysplasia. Hum Mol Genet 2012; 21(18):3941-55.

9. Savarirayan R et al. C-Type Natriuretic Peptide Analogue Therapy in Children with Achondroplasia. N Engl J Med 2019;381(1):25-35.

10. Breinholt VM et al. TransCon CNP, a Sustained-Release C-Type Natriuretic Peptide Prodrug, a Potentially Safe and Efficacious New Therapeutic Modality for the Treatment of Comorbidities Associated with Fibroblast Growth Factor Receptor 3-Related Skeletal Dysplasias. J Pharmacol Exp Ther 2019;370(3):459-71.

11. Lorget F et al. Evaluation of the therapeutic potential of a CNP analog in a Fgfr3 mouse model recapitulating achondroplasia. Am J Hum Genet 2012;91(6):1108-14.
Free access.

12. Garcia S et al. Postnatal soluble FGFR3 therapy rescues achondroplasia symptoms and restores bone growth in mice. Sci Transl Med 2013 Sep 18;5(203):203ra124. Free access.

13. Komla-Ebri D et al. Tyrosine kinase inhibitor NVP-BGJ398 functionally improves FGFR3-related dwarfism in mouse model. J Clin Invest 2016;126(5):1871-84. Free access.

14. Matsushita M et al. Meclozine facilitates proliferation and differentiation of chondrocytes by attenuating abnormally activated FGFR3 signaling in achondroplasia. PLoS One. 2013 Dec 4;8(12):e81569. Free access.15. Kelly CM et al. A phase Ib study of BGJ398, a pan-FGFR kinase inhibitor in combination with imatinib in patients with advanced gastrointestinal stromal tumor. Invest New Drugs 2019;37(2):282-90. Free access.

15. Nogova L et al. Evaluation of BGJ398, a Fibroblast Growth Factor Receptor 1-3 Kinase Inhibitor, in Patients With Advanced Solid Tumors Harboring Genetic Alterations in Fibroblast Growth Factor Receptors: Results of a Global Phase I, Dose-Escalation and Dose-Expansion Study. J Clin Oncol 2017;35(2):157-65. Free access.

16. Zheng C et al. Suppressing UPR-dependent overactivation of FGFR3 signaling ameliorates SLC26A2-deficient chondrodysplasias. EBioMedicine 2019;40:695-709. Free access. 

Monday, February 3, 2020

Treating achondroplasia: statins' role for the treatment of achondroplasia

Statins restore bone growth in an animal model of achondroplasia

As many of you may know, a few years ago a Japanese group published an elegant work showing that the statins, a family of drugs widely used to reduce cholesterol levels, were able to restore bone growth in an animal model of achondroplasia (1). However, the researchers were not able to find out how these medicines were working in their model.  Later, the group leaded by Pavel Krejci published a study in which they ruled out any direct action of statins on the fibroblast growth factor receptor 3 (FGFR3) pathways (2).

Now, it seems that the mechanism by which statins could restore or promote bone growth might have been unveiled, with the publication of a new study where researchers observed that fluvastatin, one of the statins, was able to increase the activity of a key enzyme axis that positively regulates bone growth, the IHH-PTHrP pathway (IHH:
Indian Hedgehog; PTHrP: peptide (or protein) related to Parathyroid Hormone) (3).I have already reviewed it in an article from October last year.

This sounds complicated but in summary, bone growth is a consequence of a cell process within structures called growth plates that are located in the extremities of the long bones (Figure 1). There, the chondrocytes (the master cells of bone growth), reacting to many agents, go from a resting state to a highly proliferation frenzy and finally enlarge several times from their baseline size (Figure 1), then giving space to new bone tissue. It is the continuous chondrocyte's "awake, proliferate, enlarge" cell cycle that elongate bones. This cell cycle is tightly regulated and both
IHH and FGFR3 are fundamental to modulate how chondrocytes multiply and enlarge. The IHH-PTHrP axis is specially important in the proliferation stage (4) and mutations in the PTHrP receptor that impair its normal activity cause a rare skeletal dysplasia called Jansen metaphyseal dysplasia (5) in which bones are severely shortened. Furthermore, previous studies showed that FGFR3 reduces the activity of the IHH-PTHrP pathway (6), and that PTH was able to restore growth in mouse models of achondroplasia (7,8). 

Figure 1. Cartilage growth plate.


  
In normal state, FGFR3 inhibits both chondrocytes' proliferation and hypertrophy to an extent that allows balanced bone growth through a couple of enzymatic cascades inside the chondrocyte, the STAT1 and the RAS-RAF-MEK-ERK (also called MAPK) pathways (Figure 2). In achondroplasia, due to the mutation in its structure, FGFR3 is working excessively, thus quite blocking the entire growth process. Under this model, upon the overactivity of FGFR3, fewer chondrocytes awake from the resting state and fewer will proliferate and enlarge to enable new bone to be built.

Figure 2. FGFR3 pathways.


Signaling pathways activated by FGF/FGFR. FGFs induce dimerization, kinase activation and transphosphorylation of tyrosine residues of FGFRs, leading to activation of downstream signaling pathways. Multiple pathways are stimulated by FGF/FGFR signaling such as Ras-MAP kinase, PI-3 kinase/AKT and PLC-γ pathways. Furthermore, FGF signaling can also stimulate STAT1/p21 pathway. FGF/FGFR signaling also phosphorylates the Shc and Src protein. FGF/FGFR play crucial roles in the regulation of proliferation, differentiation and apoptosis of chondrocytes via downstream signaling pathways. From Su N et al. 2014. Reproduced here for educational purposes only.


Current therapeutic strategies

Currently, there are four therapies for achondroplasia in clinical development exploring three different strategies. The most advanced one is an analogue of C-type natriuretic peptide (CNP) called vosoritide (9). Another CNP analogue is also being tested (10). CNP works naturally counteracting the effects of one of the FGFR3 pathways, called MAPK, which controls the pace of chondrocytes' hypertrophy, but it has minimum or no effect in the FGFR3 pathway responsible for reducing chondrocytes' proliferation, according to the evidence so far (11) (Figure 3). There are several articles in this blog where we review CNP, you just have to browse the index page to learn more about it.


Figure 3. Therapeutic strategies for achondroplasia.

The figure above shows the site of action of CNP, meclizine and also of the tyrosine kinase inhibitors (TKI) NF449 and A31, which work like infigratinib. From Matsushita M et al. (2013). Reproduced here for educational purposes only.

The other two strategies target FGFR3 directly, but using distinct approaches. One of the drugs, called recifercept, is in fact a modified form of FGFR3 lacking the hook which normally anchors this enzyme to the chondrocyte cell membrane, allowing this molecule to circulate freely when administered (12). That's why it is called a "soluble receptor" (remember that FGFR3 is a receptor enzyme). So, how does it work? As you may know, FGFR3 is a kind of power switch on the wall of the chondrocytes: it needs a finger (the FGFs, the ligands) to turn on (activate) and exerts its functions (Figure 4). By circulating freely in the body, recifercept can reach the growth plates and capture those FGFs before they engage FGFR3 (it works outside the cell), explaining why it is also called a ligand trap. The consequence is that if FGFR3 is not activated, then it cannot block the chondrocyte's cell cycle, and growth can be restored (12). Here, you see that recifercept might be able to inhibit all FGFR3 pathways, so would have effects both in the chondrocyte's proliferation and hipertrophy phases. In theory it would be more potent than CNP analogues.

Figure 4. Ligand trap.


An illustration of the ligand trap strategy. The switch on the wall represents FGFR3 and the finger a FGFR ligand (a FGF). FGFR3 is activated when a FGF binds to it. The trap is made of a "free" form of FGFR3 which competes with the cell wall switch, preventing its activation.


The third strategy is being explored with infigratinib (13). This molecule is called a tyrosine kinase inhibitor (TKI) and it is able to bind the part of FGFR3 which is responsible for activating its pathways inside the chondrocyte (Figure 3). In this case, FGFR3 keeps being activated outside the cell by the FGFs, but it is unable to turn on its pathways inside the cell. This means that infigratinib could be more potent than CNP analogues, also having effects on both key chondrocyte's phases of the cell cycle.


How do those findings about the statins fit in the achondroplasia's therapeutic landscape ? 

As our understanding of how statins work in the growth plate is advancing we could think on a strategy where combining them with CNP analogues may result in improved effect on bone growth. This concept is also applicable to meclizine, which also works inhibiting the same MAPK pathway CNP does (14) (Figure 3). By one side CNP (or meclizine) would work on restoring the ability of chondrocytes to enlarge and mature (hypertrophy) while statins would work restoring the activity of the IHH-PTHrP axis, which in turn would help chondrocytes to regain their proliferation capacity and leading to a better overall response on bone growth.

Nevertheless, it is clear that this hypothesis needs to be tested in an appropriate pre-clinical model as a proof of concept before any further step. For instance, one could think in a study with four arms: control (sham), CNP-only, statin-only and CNP-statin combo, which would allow researchers to determine if there were any sinergistic effects with that combination.

Combination therapies might also allow a reduction of doses needed to reach the desired effects on bone growth by each of the agents being tested, therefore reducing risks of undesired effects. For example, one known risk associated with TKIs against FGFRs used in cancer is hyperphosphatemia (15). We know that the dose of infigratinib tested for achondroplasia is far lower than those used for cancer (13) so the risk of this kind of side effect would be also lower, but what if the combination with a statin could reduce that risk even more, by allowing an even lower dose of the TKI?

As I said above, appropriate models must be tested for safety and efficacy before any of these ideas could be put in march, but the goal here is to share them and inspire researchers interested in finding solutions for achondroplasia and many other skeletal dysplasias. 

If you follow this blog it is possible that you already know that therapies for FGFR3-related dysplasias might not only be applicable for several other types of bone dysplasias where FGFR3 plays a role in the mechanism of disease, but also for other non FGFR3-related dysplasias as well. One example comes from the developer of vosoritide, which has started a program for some forms of idiopathic short stature (see more info here and here; these links will take you to two pdf presentations. You just have to browse them for achondroplasia. The first one has more details). Another example comes from a study with infigratinib in which the researchers found out that the inhibition of FGFR3 had positive effects in two animal models of severe dysplasias associated with mutations in the sulphate transporter gene, which is also the cause of diastrophic dysplasia (16).

Things are getting better, and although definitive results from all the ongoing and upcoming initiatives will still take a few years to become available, it is reassuring that  not in a distant future many children will be spared of enduring the many medical complications that often occur in bone dysplasias and will enjoy better quality-of-life.

ps. You can find much more information about all strategies briefly reviewed here in other articles of the blog. Try the index page. 



References

1. Yamashita A et al. Statin treatment rescues FGFR3 skeletal dysplasia phenotypes. Nature 2014; 513 (7519):507-11. 

2. Fafilek B et al. Statins do not inhibit the FGFR signaling in chondrocytes. Osteoarthritis Cartilage 2017; (9):1522-30.

3. Ishikawa M et al. The effects of fluvastatin on Indian Hedgehog pathway in endochondral ossification. Cartilage 2019; 22:1947603519862318. doi: 10.1177/1947603519862318. [Epub ahead of print] 

4. Kronenberg HM. Developmental regulation of the growth plate. Nature 2003; 423(6937):332-6.

5. Calvi LM, Schipani E. The PTH/PTHrP receptor in Jansen's metaphyseal chondrodysplasia. J Endocrinol Invest 2000;23(8):545-54.

6. Chen L et al. A Ser(365)-->Cys mutation of fibroblast growth factor receptor 3 in mouse downregulates Ihh/PTHrP signals and causes severe achondroplasia. Hum Mol Genet 2001; 10(5):457-65.

7. Ueda K et al. PTH has the potential to rescue disturbed bone growth in achondroplasia. Bone 2007;41(1):13-8. 

8. Xie Y et al. Intermittent PTH (1-34) injection rescues the retarded skeletal development and postnatal lethality of mice mimicking human achondroplasia and thanatophoric dysplasia. Hum Mol Genet 2012; 21(18):3941-55.

9.
Savarirayan R et al. C-Type Natriuretic Peptide Analogue Therapy in Children with Achondroplasia. N Engl J Med. 2019;381(1):25-35.

10.
Breinholt VM et al. TransCon CNP, a Sustained-Release C-Type Natriuretic Peptide Prodrug, a Potentially Safe and Efficacious New Therapeutic Modality for the Treatment of Comorbidities Associated with Fibroblast Growth Factor Receptor 3-Related Skeletal Dysplasias. J Pharmacol Exp Ther 2019 Sep;370(3):459-71.

11. Lorget F et al. Evaluation of the therapeutic potential of a CNP analog in a Fgfr3 mouse model recapitulating achondroplasia. Am J Hum Genet. 2012;91(6):1108-14.
Free access. 

12. Garcia S et al. Postnatal soluble FGFR3 therapy rescues achondroplasia symptoms and restores bone growth in mice. Sci Transl Med. 2013 Sep 18;5(203):203ra124. Free access.

13. Komla-Ebri D et al. Tyrosine kinase inhibitor NVP-BGJ398 functionally improves FGFR3-related dwarfism in mouse model. J Clin Invest 2016;126(5):1871-84. Free access. 

14. Matsushita M et al. Meclozine facilitates proliferation and differentiation of chondrocytes by attenuating abnormally activated FGFR3 signaling in achondroplasia. PLoS One. 2013 Dec 4;8(12):e81569. Free access.15. Kelly CM et al. A phase Ib study of BGJ398, a pan-FGFR kinase inhibitor in combination with imatinib in patients with advanced gastrointestinal stromal tumor. Invest New Drugs 2019;37(2):282-90. Free access.
 
15.
Nogova L et al. Evaluation of BGJ398, a Fibroblast Growth Factor Receptor 1-3 Kinase Inhibitor, in Patients With Advanced Solid Tumors Harboring Genetic Alterations in Fibroblast Growth Factor Receptors: Results of a Global Phase I, Dose-Escalation and Dose-Expansion Study. J Clin Oncol 2017;35(2):157-65. Free access.

16. Zheng C et al. Suppressing UPR-dependent overactivation of FGFR3 signaling ameliorates SLC26A2-deficient chondrodysplasias. EBioMedicine 2019;40:695-709. Free access.








Thursday, July 19, 2018

Tratando a acondroplasia: novidades sobre vosoritide, meclizina, TA-46 e a questão sobre placebo

Novidades

Há algumas novidades sobre três das estratégias terapêuticas mais avançadas para a acondroplasia desde o último artigo do blog em abril.

Vosoritide

Em maio passado, a FDA realizou uma reunião conjunta dos conselho consultivos de pediatria e endocrinologia para tratar de questões relacionadas ao desenvolvimento clínico do vosoritide na acondroplasia, tais como quais parâmetros devem ser escolhidos para conferir a resposta ao tratamento, duração dos estudos, uso de placebo e outros tópicos técnicos. Você pode assistir a uma gravação dessa reunião através deste link fornecido pelo FDA (~ 5 horas, em inglês; disponível até 30Sep2018).

Pouco tempo depois da reunião, o desenvolvedor do vosoritide anunciou o início do estudo em bebês e crianças menores de cinco anos, e publicou uma descrição deste estudo no clinicaltrials.gov.

O que isso significa em termos práticos?

Primeiro, parece que as preocupações sobre segurança e sobre os objetivos a serem seguidos em estudos futuros foram resolvidas, resultando na FDA autorizando o estudo infantil depois de um atraso considerável. Essa autorização também me permite pensar que, neste momento, há evidências suficientes de que existe um efeito positivo do vosoritide, mesmo que não seja consistente o suficiente por enquanto (ampla variabilidade dos dados devido ao pequeno número de participantes no estudo de fase 2 ?).

Dada a história natural da acondroplasia, uma condição genética que começa a afetar o crescimento ósseo antes do nascimento, existe a expectativa de que o início do tratamento o mais breve possível após o nascimento pode resultar em melhor resposta de crescimento, promovendo melhor desenvolvimento ósseo e reduzindo várias complicações clínicas que são comuns no início da vida em crianças afetadas. Portanto, é realmente uma boa notícia que eles estejam começando este estudo infantil.

Meclozina / Meclizina

A meclozina é um medicamento antigo vendido sem receita médica, usado há muito tempo para aliviar o enjoo de movimento em adultos e crianças com mais de 12 anos de idade. Recentemente, foi demonstrado que promove o crescimento ósseo em um modelo animal de acondroplasia. Depois de alguns estudos complementares (1-4), o grupo japonês que trabalha com a meclozina iniciará um estudo de fase 1 em crianças com acondroplasia (https://upload.umin.ac.jp/cgi- open-bin / ctr_e / ctr_view. cgi? recptno = R000037683). Este estudo foi elaborado para ajudar a entender qual é o destino da meclozina em crianças pequenas (farmacocinética).

O desenvolvimento clínico da meclozina é facilitado pelo fato dela ser uma droga antiga com um perfil de segurança conhecido, portanto, o estudo da fase 1 não deve causar nenhuma surpresa, embora possamos ver potenciais diferenças metabólicas na população mais jovem em comparação com o que é visto em adultos. Com base na escassa informação fornecida em seu registro, parece que este estudo ajudará a definir a dose certa (uma vez vs. duas vezes por dia?) Para o eventual estudo de fase 2. Essa é uma boa notícia também, especialmente porque a meclozina, se provada eficaz, mesmo que menos potente que o vosoritide, seria uma opção razoável para a acondroplasia: é uma droga oral com preço muito acessível e disponível como um medicamento genérico em muitos países, então poderia ser acessível a todos.

TA-46 (FGFR3 solúvel)

O desenvolvedor do TA-46 anunciou recentemente que estaria iniciando o estudo de história natural com crianças com acondroplasia na Bélgica. A descrição do estudo, chamado Dreambird, ainda está para ser publicada em registros de ensaios clínicos (sem registro até 18 de julho de 2018), mas acho que não será diferente do similar estudo conduzido pelo desenvolvedor do vosoritide, o qual você pode conferir aqui.

O TA-46 estava sendo testado em um ensaio clínico de fase 1 no início deste ano e, uma vez que não houve nenhuma informação sobre questões de segurança até agora, vejo isso como evidência para o progresso do TA-46 para a fase 2 em curto prazo. O estudo da história natural para o vosoritide exige que as crianças sejam acompanhadas por pelo menos seis meses antes de serem incluídas em um estudo com tratamento ativo, de modo que posso deduzir que o mesmo poderia acontecer no Dreambird, em preparação para o estudo de fase 2 do TA-46. Dadas essas suposições, pode-se prever que o estudo da fase 2 com TA-46 poderia começar no primeiro trimestre de 2019. Vamos ver.

Nenhuma notícia nova dos desenvolvedores do TransCon-CNP e do infigratinib ou sobre estatinas até 19 de julho de 2018.
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Usando placebo em estudos clínicos para a acondroplasia

A acondroplasia, como os leitores deste blog sabem, começa antes do nascimento e afeta um programa de crescimento ósseo rigidamente controlado, o qual tem uma data de expiração. Quanto mais tempo demorar para iniciar qualquer terapia para a acondroplasia, menor é o tempo para respostas terapêuticas significativas no contexto desse distúrbio genético, que tem uma data de expiração (repito aqui para dar ênfase a este conceito).

Eu estive na reunião da FDA em maio e assisti ao debate do comitê consultivo sobre o uso de placebo nos estudos em acondroplasia. Não concordo com o racional utilizado e aceito naquela reunião. Creio que é uma questão relevante entender se é apropriado usar placebo em estudos com drogas direcionadas para a acondroplasia (veja a gravação da FDA!). É decepcionante que reguladores e especialistas médicos não encontrem estratégias alternativas para definir uma resposta terapêutica significativa sem o uso do placebo como comparador.

Basicamente, o placebo é utilizado para confirmar que as respostas a um dado tratamento ativo são resultado do efeito desse tratamento e não causadas por vieses de qualquer tipo, ou por acaso ou sorte. É um método bastante justo quando não há danos previsíveis para o participante, mas em certos contextos, como em doenças e condições raras, o uso de placebo em um estudo pode ser considerado inadequado por representar um fardo injusto para os participantes que tomam um comparador inativo, e que não pode ser compensado mais tarde. E este é exatamente o caso da acondroplasia.

Pode-se argumentar que ainda não existe uma terapia comprovada para a acondroplasia, bem como que a droga experimental (neste caso, o vosoritide) ainda não se mostrou segura e eficiente, portanto não haveria nenhum dano previsível em permitir o uso de placebo em um estudo com essa droga. No entanto, no caso da única droga agora em ensaios clínicos para a acondroplasia, vosoritide, há duas evidências que apontam que, pelo menos parcialmente, melhora o crescimento ósseo nessa condição e não apresenta problemas significativos de segurança. Em primeiro lugar, como assinalei acima, não houve nenhuma questão de segurança relevante até agora, de acordo com as informações publicadas e o que posso inferir das decisões recentes da FDA. Segundo, a informação disponível sobre os parâmetros de eficácia também aponta para resultados positivos, mesmo que eles não sejam convincentes o suficiente até agora, como podemos deduzir assistindo a gravação da reunião da FDA, em que há breves referências ao que foi discutido durante a sessão fechada entre a FDA, o comitê consultivo e o desenvolvedor do vosoritide.

O Relatório Belmont (1979), um dos documentos mais influentes que ajudaram a criar regulamentos para a pesquisa clínica ética, estabeleceu três pilares para a pesquisa clínica ética:

  • beneficência
  • não-maleficência
  • justiça
Conquanto outros documentos mais recentes, como a atualizada Declaração de Helsinque (DH) e o Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Produtos Farmacêuticos para Uso Humano (ICH), principais fontes atuais para a pesquisa clínica ética, não usem especificamente a palavra justiça, a noção de justiça está embutida em várias seções desses documentos (por exemplo: DH: princípios 17 e 33; ICH E10: Seções 1.3.5 e 2.5).

O ICH E10 oferece outras opções sem uso de placebo para avaliar a eficácia e a segurança em situações especiais. Existem outros métodos que podem ser implementados para prevenir ou mitigar vieses ou interferência indevida na qualidade e confiabilidade dos dados enquanto se protege os participantes do estudo contra previsíveis danos (ver ICH E10). No caso da acondroplasia, o dano previsto refere-se ao ano inteiro de crescimento adicional que as crianças expostas ao placebo em um estudo perderão e que não pode ser compensado posteriormente.

Considerando o curto período de tempo que as crianças com acondroplasia têm para crescer (assim como todas as crianças não afetadas), permanece a questão se é apropriado submetê-las a um ano de exposição ao placebo antes de permitir que recebam a terapia apropriada. Este é agora o caso do vosoritide. Esse também será o caso das terapias futuras, se os requisitos para estudos com população-alvo inadequada e estudos clínicos com desenhos questionáveis ​​não mudarem.

Referências

1. Matsushita M et al. Meclozine facilitates proliferation and differentiation of chondrocytes by attenuating abnormally activated FGFR3 signaling in achondroplasia. PLoS One 2013; 8(12):e81569.

2. Matsushita M et al. Meclozine promotes longitudinal skeletal growth in transgenic mice with achondroplasia carrying a gain-of-function mutation in the FGFR3 gene. Endocrinology 2015;156(2):548-54.

3. Matsushita M et al. Maternal administration of meclozine for the treatment of foramen magnum stenosis in transgenic mice with achondroplasia. J Neurosurg Pediatr 2017;19(1):91-95.

4. Matsushita M et al. Clinical dosage of meclozine promotes longitudinal bone growth, bone volume, and trabecular bone quality in transgenic mice with achondroplasia. Sci Rep 2017;7(1):7371.





Wednesday, May 2, 2018

Tratando a acondroplasia: uma revisão do panorama terapêutico com foco nas estatinas

Prólogo

Comecei este artigo depois de ler um estudo publicado recentemente em que os pesquisadores usaram uma estatina para corrigir o comprometimento do crescimento ósseo em uma condição genética (1). Os resultados desse estudo trazem mais evidências para o potencial papel das estatinas no tratamento da acondroplasia. Enquanto escrevia, percebi que o tópico ficara muito técnico (dê uma olhada no terceiro parágrafo!), Então decidi adicionar mais informações para explicar alguns dos conceitos que descrevi. E depois figuras e vídeos e mais explicações. Bem, depois de revisar o texto completo, vejo que ele é mais amplo do que o que planejei inicialmente e tornou-se uma nova revisão do panorama terapêutico, com foco no uso de estatinas para o tratamento da acondroplasia.

Embora tenha tentado traduzir o jargão técnico para um texto mais fácil, é possível que para os recém-chegados a linguagem possa parecer difícil de entender. Como todos os conceitos resumidos aqui já foram revisados ​​no blog, se você tiver algum problema para acompanhar este texto, poderia tentar ler artigos antigos antes de continuar com este (tente os primeiros de 2012), pois eles ainda podem ser considerados atualizados e poderiam oferecer-lhe mais conhecimento sobre os tópicos mencionados aqui. Além disso, você verá que coloquei links para vários artigos do blog e fontes externas ao longo do texto para os leitores mais curiosos. Espero que você não fique entediado ...

Vamos lá.

Introdução

As RASopatias compõem uma família de doenças genéticas causadas por mutações em enzimas que modulam a atividade da via MAPK, por sua vez um grupo de enzimas que também é uma das mais importantes vias químicas impactadas pela mutação do receptor do fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3) na acondroplasia ( revisto aqui). Um novo estudo que explora o uso de estatinas para tratar o retardo do crescimento ósseo em uma das RASopatias acaba de ser publicado (1). Neste estudo, os pesquisadores descobriram que as estatinas podem ser candidatas ao tratamento do retardo de crescimento observado naquela RASopatia. Como isso se relaciona com a acondroplasia?

No entanto, antes de falar sobre este estudo, vamos rever alguns conceitos básicos sobre a acondroplasia e o panorama terapêutico para nos ajudar a entender o papel potencial das estatinas no tratamento da acondroplasia.

Conceitos básicos


Condrócitos, os pilotos do crescimento ósseo

Condrócitos são células muito especializadas que vivem dentro das placas de crescimento, pequenas faixas cartilaginosas presentes nas extremidades dos ossos longos em corpos em crescimento (portanto, apenas em crianças e adolescentes; Figuras 1-3). A placa de crescimento ósseo é um tecido denso e muito apertado, sem fluxo sanguíneo direto, onde apenas moléculas pequenas são capazes de circular com alguma liberdade (guarde esta informação para mais tarde!) (2,3).

Os condrócitos dentro da placa de crescimento pilotam o crescimento ósseo seguindo um programa de crescimento altamente controlado governado por muitas moléculas produzidas localmente (como o FGFR3 e o peptídeo natriurético tipo C (CNP)) e em outras partes do corpo (ex.: hormônios tais como o hormônio do crescimento (GH)) (3). Sob a influência desses muitos agentes, os condrócitos vão de um estado de repouso para um "frenesi de proliferação" (multiplicação) seguido por um aumento celular muito significativo (o que é chamado hipertrofia) (Figura 2). Quando totalmente hipertrofiados, os condrócitos são substituídos por osteoblastos (as células construtoras ósseas) e sua zona da placa de crescimento dá lugar ao novo osso (Figura 2). As placas de crescimento fecham sob influência de hormônios ao final da puberdade (Figura 3) (3).


Figura 1. Placa de crescimento.

 
Figura 2. Dentro da placa de crescimento.



Figura 3. Destino da placa de crescimento.



FGFR3, uma antena celular

O FGFR3 é um tipo de antena receptora colocada na superfície dos condrócitos (o "teto" da célula) que recebe sinais de fora da célula e os transmite para o núcleo da célula. É como uma antena parabólica recebendo sinais de TV via satélite e, através de cabos, levando-os para o receptor de sinais e, finalmente, para sua TV na sala de estar (Figuras 4-6). O receptor de sinais "traduz" os sinais vindos da antena em forma de filmes, programas de auditório, notícias, etc. (o que você vê na tela), de acordo com o tipo de sinal recebido.

Nos condrócitos, de acordo com os sinais que recebe de suas antenas (e há muitas delas na superfície da célula), o núcleo da célula também reagirá com diferentes respostas. 

Enquanto a antena parabólica captura/recebe sinais de satélites na forma de ondas invisíveis, os sinais celulares são transmitidos através de reações químicas. O FGFR3 é um receptor que aceita apenas sinais provenientes de moléculas (os ligantes) chamados fatores de crescimento de fibroblastos, ou FGFs. Quando um FGF se liga ao FGFR3 fora da célula, há uma transferência de uma carga elétrica, que, por sua vez, ativa outra reação química dentro da célula, de forma semelhante ao que acontece com uma cadeia de dominós (as vias de sinalização; Figura 7, Vídeo 1). 

Figura 4. Estrutura do FGFR3.   

 
Figura 5. O FGFR3 é como uma antena celular.




 Figura 6. O FGFR3 leva sinais de fora da célula ao núcleo dentro da célula.

 

FGFR3 é um freio químico em condrócitos

Nos condrócitos, os sinais provenientes do FGFR3 dão instruções ao núcleo da célula para reduzir o ritmo de multiplicação celular. Se esses sinais são transmitidos na intensidade certa, eles ajudam os condrócitos a controlar o "frenesi proliferativo" mencionado acima, e isso é importante porque há vários outros sinais que dizem aos condrócitos para se multiplicarem sem parar, o que causaria problemas de crescimento ósseo (3)

Portanto, o FGFR3 é um regulador-chave do crescimento ósseo, atuando como um freio para equilibrar o efeito de outras antenas que funcionam como aceleradores do crescimento ósseo. Em palavras simples, quando recebe um sinal de fora da célula, o FGFR3 "informa" o núcleo da célula: "ei, pare de multiplicar, tire uma soneca!". 

FGFR3 e a acondroplasia 

Enquanto em condições normais o FGFR3 ajuda os ossos a crescerem em ritmo equilibrado, na acondroplasia este receptor (esta antena) sofreu uma mutação (uma alteração em sua estrutura) e está hiperativo, tornando o freio pesado demais, bloqueando o ritmo normal de crescimento. Ele continua enviando sinais para o núcleo da célula pedindo que pare de se multiplicar mesmo quando não é necessário. Sob o efeito do FGFR3 mutante, os condrócitos entram em uma espécie de estado de hibernação, param de se multiplicar e crescer (3). Isso é crucial porque as habilidades dos condrócitos de crescer em número (proliferação) e em tamanho (hipertrofia) são os principais fenômenos que impulsionam o crescimento ósseo. Mais especificamente, o tamanho e o número de condrócitos aumentados na zona hipertrófica são considerados os mais importantes para o crescimento ósseo normal. 

Como o FGFR3 envia sinais ao núcleo da célula? 

Como vimos acima, o FGFR3 trabalha transmitindo sinais químicos ao núcleo da célula dos condrócitos através de vários “cabos”, chamados de vias de sinalização (Figura 7, Vídeo 1). Embora o número de "cabos" seja grande, parece que para os condrócitos os "cabos" principais do FGFR3 são as vias MAPK e STAT1 (Figura 7) (3). A MAPK é a via formada pelas enzimas Ras-Raf-MEK-ERK (Figura 7, à direita; revista aqui). 

Saber como o FGFR3 exerce suas funções nos condrócitos ajuda os pesquisadores a projetar e criar estratégias para controlar a sinalização excessiva do receptor, restaurando o crescimento ósseo ou aproximando-o do ritmo normal (veja abaixo). 

O Vídeo 1 é uma animação de cerca de 14 minutos que mostra como o corpo trabalha para curar uma ferida na pele, mas você só precisa assistir os primeiros 7 minutos para ver a ativação de uma via de sinalização celular. Basicamente, esta animação mostra como os sinais extracelulares ativam células chamadas fibroblastos para iniciar o processo de cicatrização da ferida. O mecanismo básico é válido para os condrócitos, embora os resultados na placa de crescimento seriam diferentes do que aqueles que vemos na animação.

 Figura 7. Vias de sinalização do FGFR3.

A ativação do FGFR3 leva à ativação das vias STAT1 e MAPK (Ras-Raf-MEK-ERK), que inibem, respectivamente, a proliferação e a hipertrofia dos condrócitos (diferenciação). Su N et al. 2014. Esta imagem é usada apenas para fins educacionais.


Vídeo 1. Ativação de uma tirosina quinase receptora (RTK) e suas vias de sinalização celulares.


Esta é uma animação de cerca de 14 minutos de duração em inglês. Ela mostra como células chamadas fibroblastos auxiliam no início da cicatrização de um ferimento na pele. O FGFR3 é uma tirosina quinase receptora (RTK) e os processos celulares apresentados aqui são simialres ao que acontece em qualquer célula, incluindo condrócitos. No entanto, lembre que em condrócitos, ante a ativação do FGFR3 as células param de se multiplicar. Fonte: DNA Learning Center by Cold Spring Harbor Laboratory. Reproduzido aqui apenas para fins educacionais.

Tratando a acondroplasia

As estratégias para tratar a acondroplasia visam vários pontos diferentes na comunicação entre os sinais vindos de fora do condrócito (o sinal de TV) e o núcleo do condrócito (o receptor de TV).

Se qualquer estratégia quiser ser bem-sucedida, ela precisa inibir, bloquear ou reduzir a intensidade dos sinais que o FGFR3 mutante envia ao núcleo do condrócito, para que a célula possa retomar seu programa normal de crescimento. Isso é relevante porque, além do provável aumento da altura final, essas terapias potenciais poderiam ajudar a reduzir a desproporção dos membros e várias complicações neurológicas e ortopédicas frequentes, bem como melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados. Vamos dar exemplos usando algumas abordagens atualmente sob investigação. Vamos seguir os canais de comunicação de fora para dentro da célula.

Nota: embora já seja possível corrigir a mutação do gene FGFR3 (edição genética) (4), que eu saiba não têm havido novas publicações neste campo até o momento. Todas as estratégias listadas aqui visam
apenas a sinalização do FGFR3: elas não "curam" a acondroplasia. Isso significa simplesmente que um indivíduo com acondroplasia tratado com uma delas ainda terá acondroplasia, independentemente de ter crescimento ósseo normal ou próximo do normal.

Armadilhas de ligantes (ligand traps)

  • TA-46
Armadilhas de ligantes são moléculas projetadas para capturar sinais de TV antes que possam alcançar as antenas na superfície da célula. Armadilhas baseadas em receptores celulares como o FGFR3, têm uma estrutura muito semelhante e esse é o caso do TA-46 (também chamado de sFGFR3; revisto aqui) (5). O TA-46 é uma versão "livre" do FGFR3, o que significa que não está ligado à superfície da célula (Figura 8). Em vez disso, ele pode circular e "capturar" sinais (os FGFs!) Antes que eles possam alcançar o FGFR3 preso à célula.

O que isso significa para acondroplasia? Em um modelo murino de acondroplasia, o TA-46 foi capaz de prevenir FGFs de ativar o FGFR3 mutante, levando a uma redução significativa da sinalização do FGFR3 (reduzindo o volume de sinais que atingiram o núcleo da célula através do FGFR3), o que por sua vez restaurou o crescimento ósseo (5). Em palavras simples, os sinais de TV não alcançariam a antena de TV (FGFR3), e a TV não mostraria nenhum programa vindo pela antena FGFR3. A empresa de biotecnologia que explora o TA-46 anunciou que iniciaria um ensaio clínico de fase 1 no primeiro trimestre deste ano.

  • Aptâmeros
Aptâmeros são moléculas pequenas projetadas para ligar-se muito especificamente a seus alvos (revisto aqui). O RBM007 é um aptâmero projetado para bloquear o FGF2, um dos principais ligantes (os "sinais de TV"!) dos FGFRs, portanto, nesse caso, também é uma espécie de estratégia de interceptação (ou armadilha) de ligantes (6). Está sendo desenvolvido para tratar a acondroplasia, de acordo com o seu desenvolvedor (aqui), mas nada específico para a acondroplasia foi tornado público ainda.

No contexto da acondroplasia, embora o FGF2 esteja presente na placa de crescimento, os ligantes FGF9 e FGF18 são considerados mais relevantes para a ativação do FGFR3 nos co
ndrócitos (3), então precisaremos ver se RBM007 é o aptâmero certo para a acondroplasia (onde estão os estudos mostrando isso?).

Aptâmeros podem ser projetados para se ligar a qualquer molécula. Por exemplo, pode-se conceber um para se ligar à parte exterior do FGFR3 da mesma maneira que um anticorpo (abaixo).

Figura 8. Armadilha de ligantes



Anticorpos

Anticorpos são moléculas criadas pelo nosso sistema imunológico para ajudar a eliminar agentes e substâncias estranhas que invadem o corpo. No entanto, é possível criar anticorpos específicos contra praticamente qualquer alvo que você possa imaginar e isso foi feito com o FGFR3. Existem vários anticorpos contra o FGFR3 descritos na literatura e um deles, o B-701 (anteriormente R3Mab; revisto aqui) (7), está sendo explorado por uma empresa de biotecnologia para alguns tipos de câncer influenciados pelo FGFR3 (aqui) e acondroplasia (aqui).

Na acondroplasia, o B-701 se ligaria ao FGFR3, impedindo a ancoragem dos FGFs, e dessa forma funcionaria como um guarda-chuva sobre a antena FGFR3 (Figura 9). Em outras palavras, após a ligação do anticorpo ao FGFR3, os FGFs (os sinais de TV!) Não seriam capazes de alcançar e ativar a antena, de modo que seus sinais não alcançariam o núcleo do condrócito.

Uma questão ainda sem resposta é se um anticorpo, geralmente uma molécula grande, seria capaz de alcançar o FGFR3 dentro da placa de crescimento, um tecido muito denso (como vimos acima), já que apenas moléculas pequenas são capazes de penetrar e circular dentro da placa de crescimento (2). Embora vários anticorpos anti-FGFR3 tenham sido desenvolvidos até o momento, não consegui encontrar nenhum estudo mostrando claramente qualquer um deles explorado no contexto da placa de crescimento. O desenvolvedor do B-701 afirma ter completado estudos pré-clínicos (aqui), mas nada foi publicado sobre eles ainda.



Figura 9. Um anticorpo cobre o FGFR3 e previne a ligação de FGFs.

 
Inibidores da tirosina quinase (tyrosine quinases; TKIs) 


TKIs são pequenas moléculas que têm afinidade com alguns pontos especiais na parte do corpo das antenas celulares que se encontra no interior da célula (chamados domínios de tirosina quinase), onde acontecem as reações químicas que irão ativar as vias químicas.

Quase todas as pesquisas feitas com TKIs são focadas na terapia do câncer, uma vez que as células cancerígenas usam antenas como o FGFR3 para impulsionar seu próprio crescimento, multiplicação, sobrevivência e capacidade metastática. Ao bloquear antenas
relevantes de células cancerígenas, novas terapias contra o câncer têm se mostrado mais eficazes do que as mais antigas.

Vá até a Figura 4 novamente para ver onde o domínio da tirosina quinase do FGFR3 está localizado. As reações químicas que ocorrem nesse domínio interno determinam a s
ubsequente transmissão de sinal do FGFR3 para o núcleo.

Assista ao Vídeo 2 para ver como o TKI imatinibe funciona. A antena alvo do imatinibe não é o FGFR3, mas o mecanismo de ação é similar.

Video 2. Mecanismo de ação do imatinibe, um TKI.




Muitos TKIs com ação contra FGFRs já foram descritos (revistos aqui), e um deles, o BGJ398 (infigratinib), está sendo explorado especificamente na acondroplasia após um recente estudo mostrar que ele restaurou o crescimento ósseo em um modelo animal, sem maiores problemas com segurança e em doses muito inferiores às necessárias para tratar o câncer (8).

Similarmente ao imatininb (Vídeo 2), o infigratinib liga-se àqueles pontos na parte intracelular do FGFR3 e bloqueia a capacidade do receptor ativado de realizar a transmissão do sinal ao núcleo da célula. Em outras palavras, o FGFR3 continua recebendo sinais de fora, mas não pode entregá-los ao núcleo da célula.
 

CNP e análogos do CNP (ex .: vosoritide, TransCon-CNP)

Vosoritide é uma cópia melhorada de uma molécula natural produzida pelo nosso corpo chamada CNP. O CNP funciona controlando naturalmente a quantidade de sinais que o FGFR3 transmite ao núcleo da célula, inibindo a via da MAPK (Figura 9). Em vários estudos em modelos animais (revisado aqui), vosoritide levou à melhora significativa do crescimento ósseo. O estudo de fase 2 com vosoritide mostrou uma melhora de cerca de 40-50% na velocidade de crescimento ósseo em crianças sob tratamento durante 30 meses (aqui). Atualmente, está em fase 3 de testes clínicos em crianças com acondroplasia (aqui). TransCon-CNP, outro análogo do CNP está previsto para entrar em desenvolvimento clínico em breve (aqui).

Meclozina / Meclizina


A meclozina é uma antiga droga (anti-histamínico) contra enjoo de movimento que demonstrou funcionar de maneira semelhante ao CNP, inibindo a via da MAPK em modelos animais de acondroplasia, restaurando parcialmente o crescimento ósseo (Figura 9) (9-12). No ano passado, durante a reunião da Sociedade Internacional de Displasia Esquelética (ISDS 2017), o grupo japonês que trabalha com meclozina anunciou planos para iniciar um estudo de fase 1 até o final de 2017 ou início de 2018, mas não há indicação formal de que este estudo começou ou está em andamento (nenhum registro de ensaios clínicos ou notícias divulgadas até o momento).

Figura 9. Sítios de ação de diversas moléculas sendo exploradas para o tratamento da acondroplasia. 


Note que tanto o CNP como a meclozina funcionam na via da MAPK (RAS-RAF-MEK-ERK). A31 e NF449 são TKIs anti-FGFR3 não mais explorados (até onde sabemos). O P3 é um peptídeo com alta afinidade pelo FGFR3 e teria um efeito similar ao de um anticorpo, mas não tem havido novas publicações sobre ele até o momento (até onde sabemos). Fonte: Matsushita M et al. 2013. Reproduzido aqui apenas para fins educacionais.


E finalmente...

Estatinas 


As estatinas são um grupo de drogas usadas principalmente para diminuir os níveis de colesterol em indivíduos de alto risco para doença cardiovascular (DCV) ou naqueles que já tiveram eventos cardiovasculares (14,15). Indivíduos com hipercolesterolemia familiar, incluindo crianças com mais de 8 anos de idade, são considerados com maior risco de DCV e, por essa razão, a terapia com estatinas também é recomendada para esse grupo (15). 

Não obstante, é interessante saber que as estatinas também têm sido usadas em crianças e adolescentes com vários distúrbios em que o objetivo não é diminuir os níveis de colesterol. Por exemplo, as estatinas têm sido usadas para aumentar (!) os níveis de colesterol em uma condição genética chamada síndrome de Smith-Lemli-Opitz, que causa diminuição da síntese do colesterol (16). Outros distúrbios em que as estatinas também foram usadas em indivíduos jovens incluem pré-eclâmpsia (em mulheres grávidas) (17), uma forma genética de doença renal policística (18), anemia falciforme (19), progéria (20), autismo (21) e na neurofibromatose tipo 1 (NF1), uma desordem genética acompanhada de características de autismo (22-26).

Aspectos de segurança da terapia com estatina em crianças 


Existe uma questão universal sobre os riscos do uso de estatinas em crianças, porque o colesterol é a molécula que forma a base estrutural de muitos agentes biológicos importantes (por exemplo, vários hormônios) que impulsionam o desenvolvimento normal do corpo. 

Já existe consenso sobre o uso de estatinas em crianças que têm níveis elevados de colesterol, pois isso pode protegê-las de futuras doenças cardiovasculares, mas e quanto ao uso de estatinas em crianças com níveis normais de colesterol? A questão básica é: qual é o risco para uma criança em crescimento se reduzirmos demais os níveis de colesterol? 

Além disso, como o uso prolongado de estatinas tem sido associado ao aumento do risco de aparecimento de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) em adultos, existe também preocupação com o risco da terapia com estatina a longo prazo no desenvolvimento de DM2 na população pediátrica, especialmente em crianças que não têm níveis elevados de colesterol (27; evidência fraca). 

Para abordar questões importantes como essas, os aspectos de segurança foram exaustivamente examinados em vários estudos com estatinas realizados em crianças com hipercolesterolemia com mais de 8 anos de idade (pré-púbere e puberal). Nestes estudos (a maioria de curto/médio prazo) não foram identificados efeitos nocivos das estatinas no crescimento ou desenvolvimento corporal (28,29). Além disso, há pelo menos dois estudos acompanhando pacientes jovens por até quatro anos, nos quais não foram observados efeitos deletérios causados ​​ pelas estatinas em termos de crescimento ou desenvolvimento (20,30). 

Vimos que as estatinas foram usadas em outras indicações clínicas em crianças, adolescentes e mulheres grávidas e os relatos não descrevem nenhum evento adverso relevante ou dano indevido nesta população. Devido ao efeito esperado das estatinas na redução dos níveis de colesterol, em todos esses estudos os pesquisadores ficaram de olho no perfil lipídico dos participantes do estudo. Em todos os estudos acima referidos, os níveis de colesterol diminuíram, mas não houve nenhum caso relatado de colesterol caindo fora da faixa normal (17-26). 

Em resumo, embora ainda haja necessidade de verificar se há consequências negativas a longo prazo devido ao uso crônico de estatinas em crianças, ao mesmo tempo, não há evidências de que o uso crônico de estatinas cause ou causaria danos a essa população.

Estatinas e as RASopatias

Como vimos acima, uma das condições clínicas em que as estatinas foram usadas é a NF1, uma das RASopatias. Os poucos visitantes veteranos deste blog possivelmente se lembrarão de que já analisamos as RASopatias aqui, um grupo de desordens genéticas que são caracterizadas por mutações em enzimas que regulam a via da MAPK (esta não é exatamente a principal via de sinalização usada pelo FGFR3?). O nome diz tudo: a RAS é a primeira enzima na via da MAPK (Figura 6). Nesse artigo, revisamos um trabalho interessante em que os pesquisadores usaram um análogo de CNP que não está mais sendo explorado, chamado NC-2, para reduzir a sinalização através da via MAPK em um modelo de neurofibromatose (31). 

A hipótese por trás do uso de estatinas na NF1 é que essas drogas poderiam ajudar a melhorar a aprendizagem e habilidades comportamentais devido a seus efeitos em algumas enzimas, como a Ras, que são consideradas responsáveis pelos distúrbios das funções cognitivas na NF1. 

Estatinas na acondroplasia 

Você também já deve ter verificado o artigo anterior deste blog, publicado em 2014, onde revisamos um convincente estudo mostrando que as estatinas eram capazes de promover o crescimento ósseo na acondroplasia, embora o mecanismo exato para explicar o efeito não fosse totalmente elucidado (32). Espere um minuto, mas acabamos de dizer que as estatinas podem controlar a via da MAPK, não foi? 

As estatinas foram investigadas pelo grupo do Dr. Pavel Krejci em 2017, quando verificaram que essas drogas não bloqueavam a sinalização do FGFR3, embora os modelos usados reproduzissem apenas parcialmente um modelo de displasia óssea por FGFR3 (33). 

Portanto, a questão permanece sobre como as estatinas promoveram o crescimento ósseo na acondroplasia no estudo de Yamashita e cols (32). 

O estudo das estatinas na Síndrome de Noonan, uma RASopatia 

Podemos encontrar algumas pistas para responder a essa questão com base nos achados deste interessante estudo que me levou a escrever este artigo, onde os pesquisadores abordaram se as estatinas seriam úteis para tratar o retardo de crescimento encontrado na Síndrome de Noonan (NS), outra RASopatia (1).

Na NS, uma enzima chamada SHP2 sofreu uma mutação e se tornou hiperativa. A SHP2 modula a atividade de várias outras enzimas, incluindo Ras e ERK, que fazem parte da via da MAPK (1). A SHP2 mutante aumenta a atividade da via MAPK e isso causa o comprometimento do crescimento ósseo na SN, entre outras anormalidades.

Tajan e colaboradores (1) realizaram uma série de testes em condrócitos portadores de uma SHP2 mutante causadora de NS e observaram que a mutação na SHP2 tornou a via MAPK mais ativa, o que, por sua vez, levou a uma zona hipertrófica reduzida nas placas de crescimento de camundongos NS, em comparação com camundongos normais (tipo selvagem, WT). É importante observar que esse efeito inibitório foi mais pronunciado na zona hipertrófica inicial ou pré-hiperprófica (Figura 2), que é uma das zonas de placa de crescimento onde o FGFR3 é mais ativo (3).

Para testar se a via MAPK estava hiperativa em Condrócitos NS, eles usaram um inibidor de MEK chamado U126 (MEK é a enzima a montante na via MAPK que ativa ERK), que restaurou o tamanho da zona hipertrófica na placa de crescimento. Você pode aprender mais sobre estudos com drogas destinadas a bloquear o caminho da MAPK aqui. Os mesmos resultados foram obtidos quando utilizaram rosuvastatina, a mesma estatina utilizada pelo grupo que explorou o uso de estatinas na acondroplasia (32). 

Em outras palavras, o estudo de Tajan e cols. (1) é o segundo que explora o uso de uma estatina para restaurar o crescimento ósseo, reduzindo a atividade de uma das mais importantes vias enzimáticas para a sinalização do FGFR3 em condrócitos. 

Desde que já há evidências sólidas (mas não definitivas) explicando o mecanismo de ação da estatina na placa de crescimento, e que as evidências de segurança atuais não apontam para danos específicos ao desenvolvimento de crianças expostas sob uso prolongado de estatinas, penso que há base razoável para se testar estatinas em estudos clínicos em crianças com acondroplasia. 

Pesquisadores em busca de soluções terapêuticas para a acondroplasia podem achar interessante que, em um estudo antigo com estatinas em crianças com hipercolesterolemia no qual um dos aspectos de segurança foi o desenvolvimento dos participantes, houve um leve aumento na altura em crianças expostas à estatina comparadas àquelas que utilizaram placebo (34, citado por 1; basta verificar a tabela de características da população). 

As estatinas não se acumulariam por muito tempo no corpo. Em quase todos os casos, os eventos adversos relacionados ao seu uso foram temporários, sem sequelas permanentes. As estatinas são drogas orais de baixo custo. Pesquisadores desenvolvendo estatinas em ambientes clínicos para a acondroplasia teriam vários biomarcadores estabelecidos para verificar a segurança e a resposta ao tratamento. O que eles estão esperando?

Referências

1. Tajan M et al. Noonan syndrome-causing SHP2 mutants impair ERK-dependent chondrocyte differentiation during endochondral bone growth. Hum Mol Genet. 2018 Apr 12. doi: 10.1093/hmg/ddy133.

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