Sunday, June 2, 2013

Explorando o uso de aptâmeros para tratar a acondroplasia

Introdução

Há muito tempo se sabe que há um grande número de proteínas (cadeias de moléculas feitas de aminoácidos) que são capazes de se ligar diretamente com regiões específicas do DNA (cadeias de moléculas feitas de nucleotídeos), quer para estimular o início de um processo de leitura de um gene (transcrição) quer para bloqueá-lo. Assim, deve ser facilmente imaginável que moléculas feitas de nucleotídeos também possam ser capazes de se conectar diretamente à proteínas.

Nos anos noventa, com este conceito em mente, os cientistas passaram a identificar um grande número de moléculas feitas de sequências de nucleotídeos de DNA ou RNA, que chamaram de aptâmeros (1,2). Não sei se você já leu o último artigo deste blog. Nele, tentei comparar a forma como pesquisadores buscam encontrar novas drogas com técnicas que parecem com um tipo de pesca ou de filtragem. Para aptâmeros, podemos usar o mesmo conceito, uma vez que a tecnologia atual usada para identificá-los, conhecida pela sigla SELEX (link em inglês), também usa um método de filtragem para selecionar as melhores moléculas candidatas.

Da mesma forma que aquelas proteínas capazes de se ligar direta e especificamente a algumas sequências-alvo de nucleotídeos do DNA no núcleo da célula, aptâmeros também são muito específicos em relação aos seus alvos. Você pode selecionar qualquer parte do alvo como isca para os aptâmeros. No caso de uma enzima receptora, tal como o nosso familiar receptor de fator de crescimento de fibroblastos do tipo 3 (FGFR3), esta isca pode ser a parte externa da enzima, ou de um segmento transmembrana ou os bolsos de ATP (figura) de que já falamos em artigos anteriores.

 

Esta propriedade particular, de ter um único e específico alvo, faz dos aptâmeros uma potencial estratégia para o tratamento de doenças ou condições em que a causa é uma proteína que não está funcionando corretamente. Você consegue imaginar isso? Vamos dar um exemplo de um aptâmero já em uso na clínica.

Um aptâmero em ação

A degeneração macular é uma condição que afeta os olhos das pessoas de mais idade e pode levar à cegueira. Um dos mecanismos que leva ao distúrbio é um excesso de proliferação vascular (criação de um número excessivo de novos vasos sanguíneos na retina). A produção de novos vasos é gerida pela ativação de um receptor na membrana celular das células presentes na retina chamado de receptor do fator de crescimento endotelial vascular (VEGFR) e, claro, a molécula que se liga a ele é um VEGF (também chamado de ligante).

Existem várias terapias disponíveis para o tratamento desta condição, com eficácia variável, mas uma é singular: o pegaptanib, o primeiro aptâmero a chegar à farmácia. Vendido como Macugen™, o pegaptanib é um aptâmero específico para o VEGF. Seu modo de ação é simples: ao se ligar ao VEGF, ele bloqueia a capacidade deste ligante de se conectar ao receptor (figura). Como o receptor não pode ser ativado, a produção de novos vasos sanguíneos não é estimulada e a condição não evolui no mesmo ritmo que faria se deixada sem tratamento.


Desde a descoberta dos aptâmeros, muitos têm sido desenvolvidos para vários fins terapêuticos e estão agora sendo explorados em estudos clínicos, na sua maior parte contra o câncer. O câncer é realmente um grande desafio e um enorme esforço tem sido feito a fim de encontrar novas terapias para vencê-lo. A pesquisa inclui alvos como os receptores de membrana celular, tais como o receptor do fator de crescimento epitelial (EGFR), uma outra enzima localizada atravessada na membrana celular do mesmo modo que o FGFR3. O funcionamento excessivo do EGFR é frequentemente encontrado no câncer de mama (e em outros tipos também) e, hoje, algumas das terapias mais eficazes para o câncer de mama são dirigidas contra o EGFR.

Controlando a quantidade de sinais a partir da antena

Antes de continuarmos o nosso voo sobre os aptâmeros, será bom entender como a célula gerencia os muitos, muitos receptores ativos localizados na membrana celular. Isto será importante para pensar sobre o que podemos esperar acerca de uma das possíveis maneiras de como um aptâmero visando o FGFR3 poderia funcionar.

Como eu disse, existem centenas de diferentes receptores instalados através da membrana celular, todos funcionando como antenas químicas para ajudar a célula a reagir ao que está acontecendo no seu meio. Da resposta imune à apoptose, um número incrível de interações celulares guiadas por essas antenas já foram descritas.

No entanto, estas antenas não são permanentes. Como em qualquer processo biológico para manter a vida em equilíbrio, há um certo número de sistemas de controle que regulam o tempo de ação desses receptores. Quando uma enzima receptora, vamos dizer o FGFR3, é ativada por um ligante (um FGF), forma um complexo molecular que começa a transmitir sinais às suas cascatas químicas específicas (revisto aqui) e, a seguir, é atraída para o interior da célula. Então, este complexo é identificado por proteínas como a ubiquitina, que irá marcá-lo e conduzi-lo aos sistemas de degradação, onde as proteínas são desfeitas. Ao usar estes sistemas de controle, a célula é capaz de regular o tempo que um receptor pode conduzir sinais do exterior para o núcleo da célula. Você consegue ver para onde estamos indo?

Aptâmeros concebidos para se ligar EGFR2 (HERB2) fazem com que a sua degradação seja acelerada e reduzem o crescimento do câncer.

Em um estudo recente, pesquisadores identificaram um par de aptâmeros específicos para o EGFR2. O EGFR2 é uma das quatro enzimas receptoras da família EGFR e é um importante fator estimulante em algumas formas de câncer de mama e outros cânceres. O bloqueio ou desativação do EGFR2 causa redução do crescimento do tumor e reduz a taxa de recidiva em casos devidamente tratados. Neste estudo, Mahlknecht G et al. (3) realizaram vários testes com aptâmeros por eles identificados e descobriram que eles agiam forçando a degradação do receptor sem que ele tivesse sido ativado. Isto, por sua vez, resultou na inibição do crescimento do tumor nos modelos usados nos testes. Os aptâmeros testados não mostraram maiores problemas em termos de toxicidade, o que também é uma informação importante.

Em resumo, este estudo evidenciou que um aptâmero com um alvo localizado no exterior da célula é capaz de bloquear a sua função e causa o efeito previsto (aqui, a inibição do crescimento do tumor). A mesma estratégia pode ser aplicada para o FGFR3.

A estratégia de usar aptâmeros para acondroplasia pode ter vantagens:
  • Aptâmeros são pequenas moléculas provavelmente capazes de transitar livres na placa de crescimento e de alcançar o condrócito;
  • Aptâmeros são muito específicos, tornando baixo o risco de causar efeitos fora- do-alvo (quando um medicamento provoca efeitos indesejados ou inesperados devido à interação com um alvo não pretendido);
  • Aptâmeros costumam ter um perfil de risco baixo de toxicidade.

No entanto, aptâmeros são um pouco frágeis e vítimas naturais do sistema enzimático do corpo. Eles precisam de proteção para alcançar os seus objetivos. Isto pode ser conseguido com o acoplamento de transportadores e disfarces, com um dos vários sistemas já disponíveis (analisamos isso aqui). Este obstáculo não é nada que não possa ser solucionado.

Concluindo

No final de 2012, em uma conversa com um especialista no desenvolvimento de medicamentos e de investimento de capital de risco, mencionei os aptâmeros como uma estratégia a ser explorada como uma terapia potencial para a acondroplasia, mas este especialista se mostrou cético sobre eles. Minha opinião é que não sabemos. Desde que aprendi sobre os aptâmeros tenho feito buscas em bancos de dados médicos, tais como o Pubmed e nunca encontrei um estudo testando aptâmeros contra o FGFR3. Aqui, o desafio é novamente encontrar um investigador com a mente aberta e com recursos adequados, para explorar a possibilidade de aptâmeros serem usados ​​para tratar a acondroplasia.


Referências

1. Tuerk C, Gold L. Systematic evolution of ligands by exponential enrichment: RNA ligands to bacteriophage T4 DNA polymerase. Science 1990; 249 (4968): 505-10. 

2. Ellington AD, Szostak JW. In vitro selection of RNA molecules that bind specific ligands. Nature 1990; 346(6287):818–22.

3. Mahlknecht G et al. Aptamer to ErbB-2/HER2 enhances degradation of the target and inhibits tumorigenic growth. PNAS 2013; 110 (20): 8170-8175.

2 comments:

  1. gostaria que voce seguisse meu blog e publicasse ele obrigada. http://carol-acondroplasia.blogspot.jp/

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  2. Olá Carolina, visitei seu blog e vejo que você é uma menina linda, otimista e forte. Obrigado por sua visita. Você é sempre bem vinda para comentar ou perguntar sobre os temas que escrevo aqui.

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