Tuesday, January 24, 2012

Mirando na produção do FGFR3 para resgatar o crescimento ósseo na acondroplasia


Nos últimos artigos revisamos brevemente algumas opções possíveis capazes de interromper a atividade do receptor de fator de crescimento de fibroblasto do tipo 3 (FGFR3) para bloquear os seus efeitos no condrócitos, a célula responsável por criar o modelo em que o osso vai ser construído. Devido à atividade excessiva do receptor (lembre-se, o FGFR3 é um freio natural que controla o ritmo de crescimento ósseo), condrócitos multiplicam (proliferam) menos do que o esperado, o que leva a um desenvolvimento ósseo prejudicado. O resultado clínico é a acondroplasia. Além de bloquear a atividade do receptor, há outras maneiras  para impedir o FGFR3 de exercer suas ações. Por exemplo, podemos também bloquear a sua produção.

No entanto, é importante compreender que FGFR3 não é um vilão. Este receptor é parte de um programa muito complexo que controla o crescimento ósseo. Não é aconselhável simplesmente abolir a sua produção, porque isso também poderia causar problemas. Então, como lidar com este desafio?

A produção do FGFR3

Antes de chegar à membrana celular, o FGFR3 deve ser expresso (produzido) pelo condrócitos. A ciência está apenas começando a desvendar a complexidade da maquinaria química que regula a vida, o que inclui a compreensão de como os genes são lidos e as proteínas são produzidas. Vamos falar um pouco sobre isso.

O código genético humano está organizado em cromossomos, estruturas químicas feitas de proteínas e DNA que carregam todos os genes. Temos dois pares de 23 cromossomos, e cada um desses pares de cromossomos é herdado de nossos pais (um da mãe, outro do pai). Isto também significa que nós ganhamos cada um dos milhares de nossos genes em pares, da mesma forma. Este link irá levá-lo a uma animação que mostra como os cromossomos são organizados. O fim vem com um bônus, que mostra como as células se multiplicam (proliferam).

Agora, vamos relembrar a natureza da  acondroplasia. A acondroplasia é uma condição genética autossômica dominante causada por uma mutação em apenas uma das duas cópias do gene FGFR3 que todos nós possuimos em nosso código genético. Em outras palavras, na acondroplasia, em vez de duas cópias similares e normais do gene FGFR3, o portador possui duas cópias diferentes, uma delas com a composição normal e a outra com a troca de nucleotídeos (G1138A) que causa esta condição. O gene alterado se sobressai em relação ao gene normal (é dominante). A dominância aqui é resultado da atividade excessiva da proteína mutante, o que no jargão é chamado de ganho de função.

Quando os condrócitos recebem uma ordem específica (um sinal químico), iniciam o processo pelo qual os genes FGFR3 (os dois) serão lidos, permitindo a produção da proteína FGFR3 (a normal e a mutante). Veja esta animação, que mostra como um gene é lido e como as informações necessárias para a produção de uma proteína são obtidas e processadas.

O processo pelo qual um gene é lido é chamado de transcrição. Basicamente, o gene feito de DNA será copiado (transcrito) na forma de uma molécula feita de RNA, que é chamado de RNA mensageiro (mRNA). O mRNA é dirigido para fora do núcleo da célula e levado para o ribossomo no citoplasma, onde vai ser lido, em um processo chamado de tradução (em português translation tem sido traduzido como translação). Pense no ribossomo, uma pequena organela celular, como uma linha de montagem em uma fábrica. Ele vai reconhecer a seqüência de nucleotídeos do mRNA e montará uma cadeia de aminoácidos, que serão escolhidos de acordo com essa seqüência. Veja este artigo que é uma rica fonte de informações sobre aminoácidos e sobre como eles são organizados para formar proteínas.

O processo todo é incrivelmente complexo e este texto e a animação que recomendei acima, embora se encaixem para explicá-lo, são simplificações. Vamos ver um pouco mais sobre o processo pós-transcrição, porque aqui existem algumas oportunidades onde podemos interromper a produção do FGFR3 mutante. Sem um super FGFR3, não teremos bloqueio do crescimento ósseo.

Entrando no núcleo da célula

Estamos longe de desligar um gene defeituoso diretamente no DNA. Por isso, não falaremos em corrigir a mutação. Embora não possamos mudar o código genético básico podemos, com certeza, mudar o que resulta desse código, apesar de que isso não é uma tarefa fácil.

O mundo do RNA

Vamos explorar um tema complexo. Às vezes, o texto poderá parecer um tanto árido. Caso isso pareça estar acontecendo, tente visitar as referências que eu estou incluindo no texto. Elas podem explicar de outra forma os processos que serão explorados aqui, o que pode ajudar a facilitar a compreensão.
Durante os últimos anos, tornou-se cada vez mais evidente que o RNA é muito mais do que um "servo" do processamento do código genético. Pesquisadores descobriram que o RNA tem várias outras funções relevantes além de ser um mensageiro do DNA, o que inclui a capacidade de regular o processo  do mRNA para a translação em proteínas. Em outras palavras, o RNA, em um dos vários formatos que pode assumir, pode definir qual gene poderá produzir uma proteína e qual não poderá, uma função muito poderosa.

Esta capacidade do RNA tem sido chamado de interferência de RNA (RNA interference) e vários tipos de moléculas de RNA podem interferir no caminho da produção de uma proteína. Antes de continuarmos, visite este link, patrocinado pela Nature (Jornal), que o levará a um vídeo em inglês muito ilustrativo (e técnico) que mostra a transcrição do DNA e também como é o mecanismo de interferência de RNA.

Micro RNAs

Se você assistiu o vídeo, aprendeu sobre os micro RNAs, ou miRNAs (ou miR n, onde n é um código numérico dado aos miRNAs). Os miRNAs são pequenos pedaços de RNA que podem identificar uma seqüência de nucleotídeos de um mRNA, se ligar a ele e parar o processo de translação do mRNA em uma cadeia de aminoácidos (a futura proteína). Muitos (centenas) miRNAs já foram descobertos e apresentam uma função de controle muito relevante na expressão da proteína (produção). A falta de um miRNA específico pode levar a várias doenças, porque se uma determinada proteína é liberada excessivamente as conseqüências podem ser prejudiciais para a célula (câncer, por exemplo). Você pode aprender mais sobre os miRNAs lendo este artigo na Wikipedia.

Em resumo, o modo de ação de um miRNA é o seguinte: cada miRNA tem uma seqüência de nucleotídeos que é complementar (que combina perfeitamente) com uma seqüência no mRNA alvo. Quando um miRNA se liga a um mRNA, o mensageiro não pode ser lido mais no ribossomo e é levado à degradação e a proteína não é produzida. A seqüência de nucleotídeos complementares é curta, então uma propriedade do miRNAs é que, embora eles sejam muito específicos para seus alvos, há vários mRNAs que apresentam a mesma seqüência complementar e, portanto, são alvos do mesmo miRNA.

Por exemplo, o miR 99a pode bloquear a leitura do mRNA FGFR3 que leva à produção da proteína FGFR3. Poderíamos usar o miR 99a para bloquear o FGFR3 na ACH? O problema aqui é que o miR 99a também bloqueia a expressão de outras proteínas, tais como a mTOR, que é uma enzima muito importante em processos celulares. Quando a doença é uma forma de câncer e ambos o FGFR3 e a mTOR estão influenciando o crescimento do tumor, pode ser interessante bloquear estas enzimas com um miRNA como o miR 99a. No entanto, qual seria o efeito desse tipo de ação em uma criança em crescimento? E quanto ao efeito nas outras enzimas além do FGFR3 bloqueadas por este miRNA controlador? Para saber mais sobre os testes feitos com o uso do miR 99a no FGFR3, visite o site da revista Oncogene para ler este artigo publicado em março de 2011.

Em suma, nós começamos a aprender sobre a existência de moléculas de RNA capazes de controlar a produção de proteínas. A primeira classe destes agentes RNA é representada pelos micro RNAs. Pelo menos um deles, miR 99a, poderia ser teoricamente utilizado na acondroplasia para controlar a produção de FGFR3. No entanto, a menos que haja um miRNA único e exclusivo, capaz de identificar a região mutante do mRNA transcrito do gene FGFR3  e se ligar a ele, administrar miRNAs como o miR99a não parece ser a melhor estratégia para tratar a acondroplasia. Os micro RNAs podem não ser a melhor ferramenta aqui, mas há outras.

Apenas começamos a explorar abordagens potenciais para parar ou reduzir a produção do FGFR3 para tratar as conseqüências da acondroplasia. O RNA tem mais a oferecer e vamos olhar para outra estratégia que pode ajudar a reduzir a parada de crescimento ósseo associada ao FGFR3 no próximo artigo.
 



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