Nesta
série de artigos temos revisto a informação disponível sobre ações do hormônio
da paratireóide (PTH) no osso e na cartilagem para entender se o PTH poderia se
tornar uma opção terapêutica adequada para a acondroplasia. Vimos brevemente as
propriedades metabólicas deste hormônio e aprendemos que ele faz parte de uma
família pequena, e é muito parecido com outra proteína
produzida pelo organismo, chamada de proteína relacionada ao PTH (PTHrP). Ambas
as moléculas produzem efeitos muito semelhantes, pois atuam através do mesmo
receptor da membrana celular, o PTHR.
Também
vimos que, enquanto o PTH circula no sangue, liberado pelas glândulas paratireóides,
o PTHrP é encontrado nos tecidos que produzem, ou seja, em situações normais, o
PTHrP é um agente local, não circula. O PTHrP é importante para nós (e por
extensão o PTH) no contexto da acondroplasia, porque esta proteína exerce um
papel crucial no crescimento ósseo.
Se
você estiver seguindo este blog, já deve ter lido sobre a complexidade da
cartilagem da placa de crescimento e sabe que o PTHrP é parte de uma
sinfonia muito complicada, onde muitos diferentes agentes controlam o
crescimento ósseo em crianças. Enquanto o PTHrP é um fator de proliferação (multiplicação)
celular, o receptor do fator crescimento de fibroblastos do tipo 3 (FGFR3), a
proteína que está alterada na acondroplasia, funciona como um freio no
crescimento. Como na acondroplasia o FGFR3 está trabalhando muito, o
crescimento ósseo é severamente prejudicado. Vimos que existem evidências de
que a interrupção do crescimento causada pelo FGFR3 mutante pode provocar uma
redução da disponibilidade de PTHrP dentro da placa de crescimento e isto, por
sua vez, pode ser responsável por uma parte dos efeitos de FGFR3 na cartilagem
(como em um ciclo vicioso).
Vimos
também que o PTH não é como um simples botão liga / desliga, com apenas uma
atividade única. Sua molécula contém segmentos que quando clivados (cortados)
podem ter diferentes funções metabólicas. Vale a pena repetir aqui os dois
exemplos dados no último artigo, porque eles podem nos ajudar a escolher a
forma correta de PTH para potenciais testes na acondroplasia:
- A parte N-terminal do PTH, constituída pelos últimos 34 aminoácidos da cadeia do hormônio parece ser responsável pela forte ação anabólica deste hormônio no osso (e é chamado de PTH 1-34);
- A parte C-terminal do PTH parece ser responsável por uma modulação da atividade anabólica e, provavelmente, é responsável pelas diferenças dos efeitos anabólicos do PTH 1-34 em comparação com o hormônio integral, o qual é também chamado de PTH 1-84 ( 1).
Para
responder a estas perguntas temos de analisar os resultados dos estudos de
toxicidade realizados com o PTH quando estava sendo avaliado como uma droga
experimental para a osteoporose.
O PTH é perigoso?
Para
qualquer medicamento experimental se tornar um medicamento necessita não somente
provar que funciona (eficácia), mas também tem de passar por uma série de estudos
exaustivos, tanto in vitro (no
laboratório) e in vivo (em animais e
humanos), para verificar se é seguro. Então, vamos verificar o que aconteceu
com um dos análogos de PTH, teriparatide, durante os testes obrigatórios feitos
para avaliar a sua segurança. Os resultados desses testes, que iremos rever
abaixo trouxe preocupação sobre seu uso em longo prazo na osteoporose. Veja, a
osteoporose é uma doença crônica, distúrbio ósseo de lenta evolução e as terapias
para esta condição também devem ser de longo prazo. Em resumo, os testes feitos
em animais, procurando um efeito cancerígeno (capacidade de causar câncer),
mostraram que ratos submetidos a uma exposição de dose elevada de teriparatide ao
longo da vida desenvolveram osteossarcomas
e outros tipos de câncer ósseo (2).
O que explica
esses resultados? O PTH tem um papel pró-proliferativo fisiológico (estimula a
multiplicação de células), de modo que os resultados desses testes foram
interpretados como o câncer observado nos animais tenha sido uma consequência
da estimulação pró-proliferativa contínua do PTH (2).
Estas
conclusões fizeram com que a Food and Drug Administration (FDA) impusesse uma
tarja preta na bula do teriparatide, com duas principais restrições à sua
utilização na clínica (3):
1.
Proibição de sua administração em doentes com epífises abertas (sinônimo de
placas de crescimento, as crianças e adolescentes em crescimento);
2. Uso
contínuo por até 2 anos somente.
O FDA
determinou que crianças e adolescentes não poderiam usar teriparatide porque
eles estão em um ritmo natural de crescimento e as células estão se
multiplicando em grande velocidade, e existe um temor de que o uso de um acelerador
turbo (PTH) em organismos em rápido desenvolvimento poderiam causar transformação
cancerosa nas células e nos tecidos expostos.
Estas
restrições refletem preocupações sobre os riscos e não certezas e, atualmente,
não há evidências claras de que o uso prolongado de análogos de PTH, de fato,
induzem osteossarcoma ou outros tipos de câncer no homem. Ao contrário, os
estudos posteriores efetuados em animais (ratos e macacos) para confirmar o
aumento de câncer não conseguiram demonstrar isso. Estes estudos posteriores concluíram
que o potencial oncogênico (propriedade de provocar câncer) do PTH está
associado à dose utilizada, várias vezes maior do que a dose aprovada para uso em
humanos (4-6).
Além
disso, como parte de um acordo com o fabricante, o FDA solicitou também um
acompanhamento de longo prazo do uso de teriparatide depois de sua aprovação. A
vigilância epidemiológica mostrou que o risco de osteossarcoma em pacientes
tratados com teriparatide é semelhante ao que se verifica na população em
geral. Por exemplo, em 2007 já existiam cerca de 300.000 pacientes tratados com
teriparatide e não havia evidência clara de que nas doses recomendadas havia aumentado
a taxa de câncer de osso em relação à população não exposta (7). Em resumo, os
estudos pré-clínicos e de vigilância com PTH 1-84 e teriparatide não têm
mostrado qualquer tendência de aumento do risco de câncer em pacientes tratados
nas doses terapêuticas aprovadas. Além disso, como já revisto, análogos de PTH
foram testados em adultos e crianças com hipoparatireoidismo e mostraram-se
seguros.
Há lugar para a
terapia de PTH na acondroplasia?
Esta é
a pergunta chave. Agora é a hora de (tentar) respondê-la.
A
primeira coisa que precisamos saber é que o PTH e / ou PTHrP não são antagonistas
do FGFR3. Eles trabalham de forma totalmente independente um do outro, embora
já saibamos que o FGFR3 pode reduzir a disponibilidade de PTHrP na placa de
crescimento (8).
E então,
estas duas proteínas podem ser usadas para tratar a acondroplasia? Bem, como o PTH
ou o PTHrP não poderiam bloquear o FGFR3, teoricamente só podem superar uma das
principais consequências das ações do FGFR3 na placa de crescimento, que é a redução
da proliferação dos condrócitos.
Este é
um conceito interessante, o tratamento de uma desordem sem trabalhar diretamente
no agente causador. No entanto, essa é exatamente a ideia que está sendo
aplicada no desenvolvimento do CNP
(BMN-111). O objetivo neste caso seria resgatar a proliferação de
condrócitos, que é prejudicada por causa da atividade excessiva do FGFR3.
A ideia
de usar PTH em acondroplasia não é nova. Voltando a 2004, o grupo de Amizuka publicou um interessante
trabalho, no qual eles testaram modelos de ratos para estudar as consequências de
desligar o FGFR3 ou o PTHrP ou ambos ao mesmo tempo. Você deve olhar para as Figuras
1 e 2 publicadas em seu estudo, que eu não reproduzo aqui para respeitar os
direitos autorais (o acesso deve ser livre, após o registro no site do editor).
A Figura 1 mostra as diferenças entre os modelos animais criados por eles. Preste atenção ao tamanho dos ossos longos nas figuras 1A (rato normal, sem manipulação genética ou wild type), 1B (FGFR3 negativo, PTHrP positivo) e 1C (FGFR3 positivo, PTHrP negativo). A Figura 1C assemelha-se a de outros estudos que mostram modelos de ratos de acondroplasia. A Figura 1B realça o efeito proliferativo do PTHrP: os ossos longos são mais longos do que os do rato normal.
A
Figura 2 mostra os cortes microscópicos das placas de crescimento
correspondentes às da Figura 1. Preste atenção à mesma sequência das
figuras 1A, 1B e 1C. A Figura 2B mostra uma maior camada proliferativa dos
condrócitos em comparação com o tipo normal em 2A, enquanto a Figura 2C
evidencia a redução da espessura desta camada.
O
estudo de Amizuka et al. é importante porque mostra os efeitos naturais de
ambos o FGFR3 e o PTHrP. E agora, há alguma coisa feita também com PTH? A
resposta é sim.
Em
2007, Koso
Ueda e cols. (10) publicaram um estudo em que se testou a utilização de uma
forma (sintética) recombinante de PTH em explantes de osso de um modelo de rato
com acondroplasia (esses eram os ossos longos de rato retirados do animal e mantidos
em um meio de cultura). A administração de PTH resgatou a camada proliferativa
dos condrócitos, apesar da presença do FGFR3 mutante hiperativo. O PTH
funciona. Olhe para as figuras que mostram as diferenças percebidas entre as
diferentes camadas de condrócitos. O grupo de Ueda também publicou um pequeno
trabalho em uma reunião médica em 2009, que mostra mais experiências com o uso
de PTH em um modelo de rato de acondroplasia, outra vez com resultados
positivos (11).
Recentemente,
o grupo de Chen, que também tem se interessado muito pela cartilagem da placa
de crescimento na acondroplasia, publicou um estudo onde testaram a terapia em
longo prazo de ratos acondroplásicos com uma injeção intermitente de um análogo
do PTH (12). Os resultados são impressionantes em termos de proliferação de
condrócitos e na camada proliferativa da placa de crescimento, embora os autores
tenham ressaltado que o resgate não foi completo. Importante, eles também
descobriram que a produção do FGFR3 foi inibida ou reduzida em animais tratados
com o PTH. Veja, o ciclo está se fechando, não é? O FGFR3 em excesso inibe a
produção do PTHrP, a introdução de PTH na acondroplasia reduz a produção do FGFR3.
Vejamos
um pouco mais sobre o estudo do grupo de Chen (12), que traz várias idéias
muito interessantes em termos de desenho, resultados e conclusões. Os autores
utilizaram um sistema de administração intermitente de PTH, assemelhando-se à
estratégia utilizada para o tratamento da osteoporose em seres humanos com os
análogos de PTH comercialmente disponíveis. O uso intermitente de PTH tem demonstrado
que induz produção de osso na osteoporose. Quando usado continuamente, o PTH
provoca osteoporose, entre outros distúrbios metabólicos e nós certamente não
iríamos querer isso. Assim, por meio da administração intermitente os autores
muito provavelmente podem ter simulado a forma como o PTH poderia ser utilizado
em seres humanos para a acondroplasia.
Em resumo
Em
resumo, o PTH e os seus análogos representam uma verdadeira terapia potencial
para o acondroplasia. Há várias etapas a serem realizadas, em termos de
compreensão do seu mecanismo de ação e os efeitos nos modelos animais e também
para decidir qual análogo deve ser mais seguro, além de explorar seus
potenciais efeitos indesejáveis antes que pudesse ser utilizado
na clínica. Por exemplo, em crianças com hipoparatireoidismo, o PTH mostrou-se
seguro em longo prazo, com poucos efeitos colaterais gerenciáveis. No entanto,
eles têm PTH baixo desde o início, o que não seria verdade em relação a uma
criança com acondroplasia. O uso de PTH pode causar cálculos renais, um problema
que não gostaríamos de causar no paciente. Como podemos manejar esses efeitos?
O que nós precisamos é de testes, com pesquisadores focados e diligentes e de recursos
suficientes para fazer os testes.
Uma nota final
Nesta
série de artigos sobre o PTH nos aproximamos de uma verdadeira fronteira. Decidir
trabalhar com uma molécula conhecida em uma nova indicação, especialmente se é
uma condição rara que afeta crianças não é um passo fácil de dar. Há uma série
de riscos envolvidos, desde a saúde da criança afetada ao dinheiro a ser
investido. No entanto, se apenas sentamos e esperamos pela fruta mais fácil de
colher (the low hanging fruit) - já
que este é o comportamento comum dentro da indústria - pouco será conseguido.
Nos últimos dois anos, fiz contato com quatro diferentes indústrias
farmacêuticas ou de biotecnologia que estão em desenvolvendo algum análogo do
PTH ou do PTHrP. Recebi respostas educadas explicando que seria difícil de
abordar a indicação naquele momento ou simplesmente não recebi qualquer resposta.
Bem, eu acredito que a acondroplasia é tratável, mas é o tipo de condição que
não verá facilmente uma verdadeira atenção dos grandes patrocinadores da saúde.
São aqueles direta ou indiretamente afetados que devem mudar o futuro.
Percebo que me estendi muito nesta série de artigos sobre o PTH. O objetivo é sempre o de informar, para compartilhar conhecimento, tentando não ser excessivamente técnico. É a linguagem científica que impede muitas pessoas interessadas em entender o que realmente está acontecendo com a acondroplasia. A falta de formação científica poderia ser uma espécie de barreira que faz com que as pessoas que se veem à frente do inevitável apenas sentarem e esperarem. Desejo que estes artigos que eu estou publicando ajudem a comunidade da acondroplasia a obter mais consciência sobre a ciência em curso para tornar-se mais forte. Será essa força que poderá fazer a diferença para os nossos filhos. Podemos fazer mais.
Bem, estamos longe do fim. Há outras possíveis soluções terapêuticas à espera de análise. Estarei trazendo uma nova no próximo artigo. Não é realmente nova, pois já abordamos em um dos primeiros artigos deste blog.
Referências
1. Divieti P et al. Receptors specific for the
carboxyl-terminal region of parathyroid hormone on bone-derived cells:
determinants of ligand binding and bioactivity.Endocrinology 2005;146(4):
1863–70.
2. Vahle JL et al. Skeletal Changes in Rats Given Daily
Subcutaneous Injections of Recombinant Human Parathyroid Hormone (1-34) for 2
Years and Relevance to Human Safety. Toxicol Pathol 2002; 30: 3312-21.
4. Vahle JL et al.
Bone neoplasms in F344 rats given teriparatide [rhPTH(1-34)] are dependent on
duration of treatment and dose. Toxicol Pathol 2004;32(4):426-38.
5. Vahle JL et al. Lack
of bone neoplasms and persistence of bone efficacy incynomolgus macaques after long-term treatment
with teriparatide [rhPTH(1-34)]. J Bone Miner Res 2008; 23:2033–9.
6. Jolette J. et al.
Defining a noncarcinogenic dose of recombinant human parathyroid hormone 1–84
in a 2-year study in Fischer 344 rats.Toxicol Pathol 2006; 34: 929-40.
7. Harper KD et al.
Osteosarcoma and teriparatide? (letter) J Bone Miner Res 2007; 22:334.
8. Chen L et al. A Ser(365)-->Cys mutation of
fibroblast growth factor receptor 3 in mouse downregulates Ihh/PTHrP signals
and causes severe achondroplasia. Hum Mol Genet 2001; 10(5):
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9. Amizuka et al. Signalling by fibroblast growth factor receptor 3 and parathyroid hormone-related peptide
coordinate cartilage and bone development. Bone 2004;
34(1): 13-25.
10. Ueda et al. PTH has the potential to rescue
disturbed bone growth in achondroplasia. Bone 2007; 41: 13–18.
11. Ueda K et al.
Effect of rhPTH on bone growth disturbance in achondroplastic mouse. Bone 2009;
45 (Suppl 2): S57-8. doi:10.1016/j.bone.2009.04.041.
12. Xie et al. Intermittent PTH (1-34) injection rescues the retarded skeletal
development and postnatal lethality of mice mimicking human achondroplasia and
thanatophoric dysplasia. Hum Mol Genet
2012; 21(18): 3941-55.
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