Sunday, September 16, 2012

Paratormônio para tratar a acondroplasia? Parte 3: explorando os limites

O que aprendemos até agora

Nesta série de artigos temos revisto a informação disponível sobre ações do hormônio da paratireóide (PTH) no osso e na cartilagem para entender se o PTH poderia se tornar uma opção terapêutica adequada para a acondroplasia. Vimos brevemente as propriedades metabólicas deste hormônio e aprendemos que ele faz parte de uma família pequena, e é muito parecido com outra proteína produzida pelo organismo, chamada de proteína relacionada ao PTH (PTHrP). Ambas as moléculas produzem efeitos muito semelhantes, pois atuam através do mesmo receptor da membrana celular, o PTHR.

Também vimos que, enquanto o PTH circula no sangue, liberado pelas glândulas paratireóides, o PTHrP é encontrado nos tecidos que produzem, ou seja, em situações normais, o PTHrP é um agente local, não circula. O PTHrP é importante para nós (e por extensão o PTH) no contexto da acondroplasia, porque esta proteína exerce um papel crucial no crescimento ósseo.

Se você estiver seguindo este blog, já deve ter lido sobre a complexidade da cartilagem da placa de crescimento e sabe que o PTHrP é parte de uma sinfonia muito complicada, onde muitos diferentes agentes controlam o crescimento ósseo em crianças. Enquanto o PTHrP é um fator de proliferação (multiplicação) celular, o receptor do fator crescimento de fibroblastos do tipo 3 (FGFR3), a proteína que está alterada na acondroplasia, funciona como um freio no crescimento. Como na acondroplasia o FGFR3 está trabalhando muito, o crescimento ósseo é severamente prejudicado. Vimos que existem evidências de que a interrupção do crescimento causada pelo FGFR3 mutante pode provocar uma redução da disponibilidade de PTHrP dentro da placa de crescimento e isto, por sua vez, pode ser responsável por uma parte dos efeitos de FGFR3 na cartilagem (como em um ciclo vicioso).

Vimos também que o PTH não é como um simples botão liga / desliga, com apenas uma atividade única. Sua molécula contém segmentos que quando clivados (cortados) podem ter diferentes funções metabólicas. Vale a pena repetir aqui os dois exemplos dados no último artigo, porque eles podem nos ajudar a escolher a forma correta de PTH para potenciais testes na acondroplasia:
  • A parte N-terminal do PTH, constituída pelos últimos 34 aminoácidos da cadeia do hormônio parece ser responsável pela forte ação anabólica deste hormônio no osso (e é chamado de PTH 1-34);
  • A parte C-terminal do PTH parece ser responsável por uma modulação da atividade anabólica e, provavelmente, é responsável pelas diferenças dos efeitos anabólicos do PTH 1-34 em comparação com o hormônio integral, o qual é também chamado de PTH 1-84 ( 1).
Além disso, verificamos que o PTH como medicamento tem sido utilizado para o tratamento da osteoporose em duas formas diferentes, como PTH 1-84 e como PTH 1-34, na forma de um análogo chamado de teriparatide. Enquanto isso, ele também tem sido testado em outras condições clínicas, por exemplo, com estudos clínicos já realizados em adultos e crianças com hipoparatireoidismo. As evidências obtidas nesses estudos de reposição hormonal para o hipoparatireoidismo são convincentes. Então, por que o PTH ainda não faz parte do tratamento dessa disfunção hormonal? E de que modo este tema pode afetar a decisão de usar o PTH na acondroplasia?

Para responder a estas perguntas temos de analisar os resultados dos estudos de toxicidade realizados com o PTH quando estava sendo avaliado como uma droga experimental para a osteoporose.

O PTH é perigoso?

Para qualquer medicamento experimental se tornar um medicamento necessita não somente provar que funciona (eficácia), mas também tem de passar por uma série de estudos exaustivos, tanto in vitro (no laboratório) e in vivo (em animais e humanos), para verificar se é seguro. Então, vamos verificar o que aconteceu com um dos análogos de PTH, teriparatide, durante os testes obrigatórios feitos para avaliar a sua segurança. Os resultados desses testes, que iremos rever abaixo trouxe preocupação sobre seu uso em longo prazo na osteoporose. Veja, a osteoporose é uma doença crônica, distúrbio ósseo de lenta evolução e as terapias para esta condição também devem ser de longo prazo. Em resumo, os testes feitos em animais, procurando um efeito cancerígeno (capacidade de causar câncer), mostraram que ratos submetidos a uma exposição de dose elevada de teriparatide ao longo da vida desenvolveram osteossarcomas e outros tipos de câncer ósseo (2).

O que explica esses resultados? O PTH tem um papel pró-proliferativo fisiológico (estimula a multiplicação de células), de modo que os resultados desses testes foram interpretados como o câncer observado nos animais tenha sido uma consequência da estimulação pró-proliferativa contínua do PTH (2).

Estas conclusões fizeram com que a Food and Drug Administration (FDA) impusesse uma tarja preta na bula do teriparatide, com duas principais restrições à sua utilização na clínica (3):

1. Proibição de sua administração em doentes com epífises abertas (sinônimo de placas de crescimento, as crianças e adolescentes em crescimento);

2. Uso contínuo por até 2 anos somente.

O FDA determinou que crianças e adolescentes não poderiam usar teriparatide porque eles estão em um ritmo natural de crescimento e as células estão se multiplicando em grande velocidade, e existe um temor de que o uso de um acelerador turbo (PTH) em organismos em rápido desenvolvimento poderiam causar transformação cancerosa nas células e nos tecidos expostos.

Estas restrições refletem preocupações sobre os riscos e não certezas e, atualmente, não há evidências claras de que o uso prolongado de análogos de PTH, de fato, induzem osteossarcoma ou outros tipos de câncer no homem. Ao contrário, os estudos posteriores efetuados em animais (ratos e macacos) para confirmar o aumento de câncer não conseguiram demonstrar isso. Estes estudos posteriores concluíram que o potencial oncogênico (propriedade de provocar câncer) do PTH está associado à dose utilizada, várias vezes maior do que a dose aprovada para uso em humanos (4-6).

Além disso, como parte de um acordo com o fabricante, o FDA solicitou também um acompanhamento de longo prazo do uso de teriparatide depois de sua aprovação. A vigilância epidemiológica mostrou que o risco de osteossarcoma em pacientes tratados com teriparatide é semelhante ao que se verifica na população em geral. Por exemplo, em 2007 já existiam cerca de 300.000 pacientes tratados com teriparatide e não havia evidência clara de que nas doses recomendadas havia aumentado a taxa de câncer de osso em relação à população não exposta (7). Em resumo, os estudos pré-clínicos e de vigilância com PTH 1-84 e teriparatide não têm mostrado qualquer tendência de aumento do risco de câncer em pacientes tratados nas doses terapêuticas aprovadas. Além disso, como já revisto, análogos de PTH foram testados em adultos e crianças com hipoparatireoidismo e mostraram-se seguros.

Há lugar para a terapia de PTH na acondroplasia?

Esta é a pergunta chave. Agora é a hora de (tentar) respondê-la.

A primeira coisa que precisamos saber é que o PTH e / ou PTHrP não são antagonistas do FGFR3. Eles trabalham de forma totalmente independente um do outro, embora já saibamos que o FGFR3 pode reduzir a disponibilidade de PTHrP na placa de crescimento (8).

E então, estas duas proteínas podem ser usadas para tratar a acondroplasia? Bem, como o PTH ou o PTHrP não poderiam bloquear o FGFR3, teoricamente só podem superar uma das principais consequências das ações do FGFR3 na placa de crescimento, que é a redução da proliferação dos condrócitos.

Este é um conceito interessante, o tratamento de uma desordem sem trabalhar diretamente no agente causador. No entanto, essa é exatamente a ideia que está sendo aplicada no desenvolvimento do CNP (BMN-111). O objetivo neste caso seria resgatar a proliferação de condrócitos, que é prejudicada por causa da atividade excessiva do FGFR3.

A ideia de usar PTH em acondroplasia não é nova. Voltando a 2004, o grupo de Amizuka publicou um interessante trabalho, no qual eles testaram modelos de ratos para estudar as consequências de desligar o FGFR3 ou o PTHrP ou ambos ao mesmo tempo. Você deve olhar para as Figuras 1 e 2 publicadas em seu estudo, que eu não reproduzo aqui para respeitar os direitos autorais (o acesso deve ser livre, após o registro no site do editor).

A Figura 1 mostra as diferenças entre os modelos animais criados por eles. Preste atenção ao tamanho dos ossos longos nas figuras 1A (rato normal, sem manipulação genética ou wild type), 1B (FGFR3 negativo, PTHrP positivo) e 1C (FGFR3 positivo, PTHrP negativo). A Figura 1C assemelha-se a de outros estudos que mostram modelos de ratos de acondroplasia. A Figura 1B realça o efeito proliferativo do PTHrP: os ossos longos são mais longos do que os do rato normal.

A Figura 2 mostra os cortes microscópicos das placas de crescimento correspondentes às da Figura 1. Preste atenção à mesma sequência das figuras 1A, 1B e 1C. A Figura 2B mostra uma maior camada proliferativa dos condrócitos em comparação com o tipo normal em 2A, enquanto a Figura 2C evidencia a redução da espessura desta camada.
O estudo de Amizuka et al. é importante porque mostra os efeitos naturais de ambos o FGFR3 e o PTHrP. E agora, há alguma coisa feita também com PTH? A resposta é sim.

Em 2007, Koso Ueda e cols. (10) publicaram um estudo em que se testou a utilização de uma forma (sintética) recombinante de PTH em explantes de osso de um modelo de rato com acondroplasia (esses eram os ossos longos de rato retirados do animal e mantidos em um meio de cultura). A administração de PTH resgatou a camada proliferativa dos condrócitos, apesar da presença do FGFR3 mutante hiperativo. O PTH funciona. Olhe para as figuras que mostram as diferenças percebidas entre as diferentes camadas de condrócitos. O grupo de Ueda também publicou um pequeno trabalho em uma reunião médica em 2009, que mostra mais experiências com o uso de PTH em um modelo de rato de acondroplasia, outra vez com resultados positivos (11).

Recentemente, o grupo de Chen, que também tem se interessado muito pela cartilagem da placa de crescimento na acondroplasia, publicou um estudo onde testaram a terapia em longo prazo de ratos acondroplásicos com uma injeção intermitente de um análogo do PTH (12). Os resultados são impressionantes em termos de proliferação de condrócitos e na camada proliferativa da placa de crescimento, embora os autores tenham ressaltado que o resgate não foi completo. Importante, eles também descobriram que a produção do FGFR3 foi inibida ou reduzida em animais tratados com o PTH. Veja, o ciclo está se fechando, não é? O FGFR3 em excesso inibe a produção do PTHrP, a introdução de PTH na acondroplasia reduz a  produção do FGFR3.

Vejamos um pouco mais sobre o estudo do grupo de Chen (12), que traz várias idéias muito interessantes em termos de desenho, resultados e conclusões. Os autores utilizaram um sistema de administração intermitente de PTH, assemelhando-se à estratégia utilizada para o tratamento da osteoporose em seres humanos com os análogos de PTH comercialmente disponíveis. O uso intermitente de PTH tem demonstrado que induz produção de osso na osteoporose. Quando usado continuamente, o PTH provoca osteoporose, entre outros distúrbios metabólicos e nós certamente não iríamos querer isso. Assim, por meio da administração intermitente os autores muito provavelmente podem ter simulado a forma como o PTH poderia ser utilizado em seres humanos para a acondroplasia.

Em resumo

Em resumo, o PTH e os seus análogos representam uma verdadeira terapia potencial para o acondroplasia. Há várias etapas a serem realizadas, em termos de compreensão do seu mecanismo de ação e os efeitos nos modelos animais e também para decidir qual análogo deve ser mais seguro, além de explorar seus potenciais efeitos indesejáveis ​​antes que pudesse ser utilizado na clínica. Por exemplo, em crianças com hipoparatireoidismo, o PTH mostrou-se seguro em longo prazo, com poucos efeitos colaterais gerenciáveis. No entanto, eles têm PTH baixo desde o início, o que não seria verdade em relação a uma criança com acondroplasia. O uso de PTH pode causar cálculos renais, um problema que não gostaríamos de causar no paciente. Como podemos manejar esses efeitos? O que nós precisamos é de testes, com pesquisadores focados e diligentes e de recursos suficientes para fazer os testes.

Uma nota final

Nesta série de artigos sobre o PTH nos aproximamos de uma verdadeira fronteira. Decidir trabalhar com uma molécula conhecida em uma nova indicação, especialmente se é uma condição rara que afeta crianças não é um passo fácil de dar. Há uma série de riscos envolvidos, desde a saúde da criança afetada ao dinheiro a ser investido. No entanto, se apenas sentamos e esperamos pela fruta mais fácil de colher (the low hanging fruit) - já que este é o comportamento comum dentro da indústria - pouco será conseguido. Nos últimos dois anos, fiz contato com quatro diferentes indústrias farmacêuticas ou de biotecnologia que estão em desenvolvendo algum análogo do PTH ou do PTHrP. Recebi respostas educadas explicando que seria difícil de abordar a indicação naquele momento ou simplesmente não recebi qualquer resposta. Bem, eu acredito que a acondroplasia é tratável, mas é o tipo de condição que não verá facilmente uma verdadeira atenção dos grandes patrocinadores da saúde. São aqueles direta ou indiretamente afetados que devem mudar o futuro.

Percebo que me estendi muito nesta série de artigos sobre o PTH. O objetivo é sempre o de informar, para compartilhar conhecimento, tentando não ser excessivamente técnico. É a linguagem científica que impede muitas pessoas interessadas em entender o que realmente está acontecendo com a acondroplasia. A falta de formação científica poderia ser uma espécie de barreira que faz com que as pessoas que se veem à frente do inevitável apenas sentarem e esperarem. Desejo que estes artigos que eu estou publicando ajudem a comunidade da acondroplasia a obter mais consciência sobre a ciência em curso para tornar-se mais forte. Será essa força que poderá fazer a diferença para os nossos filhos. Podemos fazer mais.

Bem, estamos longe do fim. Há outras possíveis soluções terapêuticas à espera de análise. Estarei trazendo uma nova no próximo artigo. Não é realmente nova, pois já abordamos em um dos primeiros artigos deste blog.

Referências

1. Divieti P et al. Receptors specific for the carboxyl-terminal region of parathyroid hormone on bone-derived cells: determinants of ligand binding and bioactivity.Endocrinology 2005;146(4): 1863–70.
2. Vahle JL et al. Skeletal Changes in Rats Given Daily Subcutaneous Injections of Recombinant Human Parathyroid Hormone (1-34) for 2 Years and Relevance to Human Safety. Toxicol Pathol 2002; 30: 3312-21.
4. Vahle JL et al. Bone neoplasms in F344 rats given teriparatide [rhPTH(1-34)] are dependent on duration of treatment and dose. Toxicol Pathol 2004;32(4):426-38.
5. Vahle JL et al. Lack of bone neoplasms and persistence of bone efficacy incynomolgus macaques after long-term treatment with teriparatide [rhPTH(1-34)]. J Bone Miner Res 2008; 23:2033–9.
6. Jolette J. et al. Defining a noncarcinogenic dose of recombinant human parathyroid hormone 1–84 in a 2-year study in Fischer 344 rats.Toxicol Pathol 2006; 34: 929-40.
7. Harper KD et al. Osteosarcoma and teriparatide? (letter) J Bone Miner Res 2007; 22:334.
8. Chen L et al.  A Ser(365)-->Cys mutation of fibroblast growth factor receptor 3 in mouse downregulates Ihh/PTHrP signals and causes severe achondroplasia. Hum Mol Genet 2001; 10(5): 457-65. 
9. Amizuka et al. Signalling by fibroblast growth factor receptor 3 and parathyroid hormone-related peptide coordinate cartilage and bone development. Bone 2004; 34(1): 13-25.
10. Ueda et al. PTH has the potential to rescue disturbed bone growth in achondroplasia. Bone 2007; 41: 13–18.  
11. Ueda K et al. Effect of rhPTH on bone growth disturbance in achondroplastic mouse. Bone 2009; 45 (Suppl 2): S57-8. doi:10.1016/j.bone.2009.04.041. 
12. Xie et al. Intermittent PTH (1-34) injection rescues the retarded skeletal development and postnatal lethality of mice mimicking human achondroplasia and thanatophoric dysplasia. Hum Mol Genet 2012; 21(18): 3941-55.

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