FGFR3 no crescimento ósseo
O crescimento ósseo é o resultado da interação de um grande
número de proteínas e moléculas semelhantes que ou trabalham acelerando ou
reduzindo a velocidade do crescimento (Mackie
EJ et al. 2011). Na acondroplasia, existe apenas um problema: um dos
principais redutores de velocidade, a proteína chamada de receptor do fator de crescimento de fibroblastos tipo 3
(FGFR3), está hiperativa e, por isso, compromete o crescimento ósseo global,
levando aos aspectos clínicos desta condrodisplasia (condro = cartilagem;
displasia = má formação, ou má formação
da cartilagem). O FGFR3 fica hiperativo devido a uma troca simples de
aminoácidos em sua estrutura molecular, causada por uma troca correspondente de
um único nucleotídeo no gene FGFR3
(revisto aqui).
O FGFR3 foi identificado como o agente causador da acondroplasia em 1994 (siga este link para um dos primeiros trabalhos sobre o
assunto). Desde então, muito se aprendeu sobre como ele exerce seus efeitos na
cartilagem da placa de crescimento (Foldynova-Trantirkova
S et al., 2012). Em outras palavras, a cascata química regulada por FGFR3
(revisto aqui) já é razoavelmente conhecida. Em resumo, o FGFR3 funciona de
duas maneiras:
1. Reduzindo a proliferação dos condrócitos, as células no
interior da cartilagem da placa de crescimento responsáveis pela construção do
molde de cartilagem que será substituído por tecido ósseo;
2. Interferindo com a transição dos condrócitos para o
estado de hipertrofia (maturação).
A consequência desses dois efeitos é que, com menos células produzindo o molde de cartilagem, menos tecido ósseo será criado, resultando em ossos menores e mais estreitos.
A melhor maneira de atingir o ponto B do ponto A é uma linha reta mas,
se houver um obstáculo na estrada, procure opções
Quando queremos tratar uma condição clínica específica, a
melhor estratégia seria a de interferir diretamente com seu agente causador. No
entanto, como isso nem sempre é possível (ainda não, pois ainda é preciso muito
avanço da ciência para conseguir isso), os médicos podem prescrever
medicamentos que interferem nas reações químicas conhecidas e importantes para
que aquela condição clínica específica ocorra. Por exemplo, a verdadeira razão
pela qual alguém vai ter pressão arterial elevada (hipertensão) não é
totalmente compreendida ainda, mas várias das reações químicas dentro do corpo
que fazem alguém ter pressão arterial elevada são. Assim, muitos medicamentos que
funcionam sobre essas reações, reduzindo a pressão sanguínea, têm sido
desenvolvidos e estão disponíveis nas farmácias.
Algo parecido acontece com a acondroplasia. Embora o
desenvolvimento de uma droga com ação direta contra o FGFR3 esteja ainda em fase
pré-clínica (há alguns bons candidatos no laboratório), há pelo menos uma
destas opções alternativas que está entrando na fase clínica do seu
desenvolvimento. O estudo
clínico de fase 1 do análogo do peptídeo natriurético do tipo C (CNP) BMN-111
acaba de ser concluído, de acordo com o clinicaltrials.gov. O CNP não interfere
diretamente com o FGFR3, mas funciona neutralizando parte dos seus efeitos, podendo
restabelecer parcialmente o crescimento ósseo, de acordo com os estudos
em animais já realizados.
Os muitos agentes dentro da placa de crescimento
O CNP é um daqueles muitos fatores que mencionei no início
deste artigo, tendo um efeito estimulador sobre o crescimento ósseo. Quando
você estuda os complexos mecanismos químicos que regem o desenvolvimento da
placa de crescimento, aprende sobre outros agentes que poderiam ser
explorados como uma opção potencial para combater a inibição do crescimento
ósseo vista na acondroplasia. Uma dessas opções, que vem ganhando relevância nos
últimos anos, é a proteína (ou peptídeo, para alguns autores) chamada de proteína relacionada ao paratormônio (PTHrP).
PTHrP e PTH
O PTHrP é uma proteína intimamente relacionada ao PTH, o
hormônio que tem um papel crucial na saúde dos ossos, regulando metabolismo do
cálcio e do fósforo, e as atividades dos osteoblastos (as células ósseas que
constroem osso) e os osteoclastos (as células ósseas que absorvem osso). A
falta de PTH leva à problemas ósseos e a distúrbios do cálcio e fósforo no
sangue, causando importantes complicações clínicas. A homologia (semelhança)
entre PTH e PTHrP é grande. Eles têm uma estrutura bastante semelhante na
chamada extremidade C-terminal. Antes de continuar, é bom saber que quando você
vê uma cadeia de aminoácidos de uma proteína, em uma extremidade vai
necessariamente encontrar uma estrutura de ácido (a parte C-terminal) e na
outra você vai encontrar uma estrutura amino (a parte N-terminal). É muito
importante saber disso porque cada uma destas estruturas gera funções distintas
para a proteína.
Mais importante ainda, no osso tanto o PTH e o PTHrP exercem
as suas funções (ou sinalizam) através do acoplamento com o mesmo receptor de
membrana celular, denominada receptor de PTH tipo 1 (PTHR1). Por isso, é lógico
esperar que as reações causadas pelo PTH e PTHrP poderiam ser muito
semelhantes. Você deve se lembrar de que quando falamos de receptores de
membrana celular, podemos pensar em uma espécie de antena de recepção de sinais
(químicos) a partir do exterior da célula que os transmite para o núcleo da
célula, onde a resposta celular será gerada de acordo com a mensagem recebida.
Existem também algumas diferenças relevantes entre o PTH e o
PTHrP. Enquanto o PTH é produzido pelas glândulas paratireóides e circulam na
corrente sanguínea, oo PTHrP é encontrado em muitos tecidos do corpo, mas suas
funções exatas nestes locais não são completamente compreendidas. Parece que o PTHRP exerce diversas funções de controle celular após o nascimento, mas a importância dessas funções em uma situação de normalidade precisa ainda ser estabelecida (McCauley & Martin, 2012). Tanto quanto sabemos, o local onde o PTHrP tem papel muito relevante é exatamente a cartilagem da placa de crescimento.
PTHrP na placa de crescimento da cartilagem
O principal efeito do PTHrP na placa de crescimento é o de
manter os condrócitos em um estado de proliferação (em outras palavras,
mantê-los se multiplicando). Tendo em mente que tanto o PTH quanto o PTHrP usam
o mesmo receptor, faz sentido pensar que o PTH poderia atuar da mesma maneira que
o PTHrP no condrócitos.
Para aumentar a complexidade, o PTHrP atua em concerto com
outro modulador de crescimento muito importante chamada Indian Hedgehog (IHH,
ou porquinho-da-índia: concordo com você, os cientistas são muito criativos
para nomear moléculas orgânicas). O IHH é fundamental para o desenvolvimento da
placa de crescimento e uma das suas ações é de estimular as células no
pericôndrio (a estrutura que circunda os condrócitos e a matriz cartilaginosa)
e os condrócitos da zona de repouso (resting
zone) para liberar PTHrP, que por sua vez, quando ligado ao PTHR1, induz os
condrócitos a proliferar e os impede de iniciar o processo de maturação. Quando
os condrócitos estimulados se distanciam do local onde o PTHrP é liberado, eles
começam a amadurecer (hipertrofiar) e entram na próxima fase do seu ciclo de
vida. Há uma excelente revisão do Dr. Henry
Kronemberg, onde ele descreve o desenvolvimento e crescimento ósseos e as
funções do PTHrP e da IHH na cartilagem da placa de crescimento (Nature,
2003).
O FGFR3 reduz a produção de PTHrP?
Como vimos antes, o FGFR3 reduz o ritmo de proliferação e
de de maturação dos condrócitos. O FGFR3
faz isso superestimulando duas importantes cascatas de sinalização dentro do
condrócito, as vias da MAPK e STAT1 (comentado aqui).
Agora, pense nisso: a IHH é uma proteína produzida por condrócitos hipertróficos
(maduros), as células no final do ciclo de crescimento dentro da cartilagem. É
razoável pensar que o FGFR3, reduzindo o número de condrócitos que atingem o
estágio de hipertrofia, poderia reduzindo a quantidade de IHH produzida. Isto
por sua vez poderia levar a uma redução de PTHrP, que sabemos que estimula os
condrócitos a proliferar. Assim, também é razoável pensar que parte das ações
do FGFR3 no controle do crescimento ósseo é indireta, através da redução da
disponibilidade de PTHrP. Na verdade, já há evidências desse efeito (Chen
L et al., 2001).
Neste artigo, fizemos uma breve revisão de algumas
propriedades do PTH e do PTHrP. No próximo artigo vamos começar a explorar o
potencial uso de PTH ou PTHrP para tratar a acondroplasia.
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