Thursday, October 20, 2016

Tratando a acondroplasia: destaques da literatura recente: Fluazurona e CNP

Nas últimas semanas foram publicados vários interessantes estudos sobre desenvolvimento ósseo e sobre o receptor do fator de crescimento de fibroblastos 3 (FGFR3). Embora a maioria deles não esteja diretamente relacionada com a acondroplasia, seus resultados trazem novas perspectivas e possibilidades para os interessados ​​em terapias para as displasias ósseas relacionadas ao FGFR3 e para outras formas de transtornos do crescimento.

Este texto pode parecer superficial para o leitor técnico. Procuro evitar o uso de jargão pesado para permitir que pessoas não familiarizadas com a linguagem científica possam compreender os temas aqui discutidos. Mais informações técnicas podem ser encontradas nas referências fornecidas.

Por outro lado, não se preocupe se não compreender um conceito ou expressão usados aqui. Experimente visitar a página de glossário do blog e os links fornecidos ao longo do texto, que irão levá-lo a outros comentários publicados aqui. Nessas outras páginas você poderá encontrar explicações para a maior parte dos tópicos técnicos. O mais importante aqui é: nunca desistir de aprender.

Há seis estudos diferentes que trabalham em cinco classes de drogas que iremos rever em duas partes. Nesta primeira parte, vamos olhar os estudos que exploraram a fluazurona e o peptídeo natriurético tipo C (CNP).


Fluazurona, um anti-parasita utilizado para tratar infestação de carrapatos em bovinos, inibe o FGFR3 e reduz o crescimento de células de câncer em modelos de câncer da bexiga (1).

Introdução

O FGFR3 foi identificado como um importante estimulador de crescimento do câncer (estimula as células cancerosas a proliferar ou multiplicar e a manterem-se vivas) em cerca de dois terços dos casos de câncer de bexiga e sua supressão tem mostrado reduzir o tamanho do tumor (2). Portanto, drogas que atingem o FGFR3 poderiam ser úteis para tratar este tipo de câncer.

No entanto, drogas utilizadas no tratamento do câncer são muito caras e os custos têm aumentado ainda mais na última década, com a introdução de terapias específicas. Isto tem sido considerado uma restrição relevante para o acesso ao tratamento adequado em muitos países (3-5). Terapias específicas (ou alvo-dirigidas) são medicamentos desenvolvidos para afetar um único ou um pequeno número de alvos relevantes para a progress
ão do câncer, o que ajuda a reduzir a toxicidade e a melhorar a eficácia do tratamento.

O estudo

Tendo a questão dos custos do tratamento em mente, um grupo chinês explorou uma lista de antigos medicamentos aprovados no âmbito da estratégia de reaproveitamento de drogas (6; também comentada aqui) para verificar se haveria qualquer medicamento adequado que poderia ser usado contra o FGFR3.

Os investigadores descobriram que a fluazurona (Figura 1), um composto de uma lista de medicamentos velhos aprovados pela FDA, inibiu diretamente o FGFR3, bloqueando o seu local de ativação (Figura 2) e por conseguinte, também as cascatas enzimáticas dependentes da atividade desta enzima (Figura 3), incluindo a da proteína-quinase ativada por mitógeno (mitogen-activated protein quinase, MAPK) (1).

A via MAPK é considerada chave para o crescimento ósseo (7) e compreende as enzimas RAF, RAS, MEK e ERK (ver Figura 3).

A forma como os pesquisadores descreveram o mecanismo de ação da fluazurona no FGFR3 o faz parecer como outros inibidores de tirosina-quinase, como o NVP-BGJ398, recentemente revisto aqui.

Figura 1. Estrutura química da fluazurona.



Os investigadores confirmaram que a fluazurona foi capaz de causar uma redução significativa do tamanho do tumor em um modelo animal e que o seu mecanismo de ação foi relacionado com a supressão da atividade do FGFR3. Eles concluíram que a fluazurona poderia ser testada para verificar a sua potencial aplicação como uma terapia para o câncer de bexiga (1).

Figura 2. Projeção do local de acoplagem da fluazurona no FGFR3.


Do iview, um visualizador de WebGL interativo do complexo proteína-ligante (1).


Figura 3. Cascatas de sinalização do FGFR3 em condrócitos.



Vias de sinalização ativadas por FGF / FGFR. O FGF induz a dimerização, a ativação da quinase e transfosforilação de resíduos de tirosina do FGFR, conduzindo à ativação de vias de sinalização a jusante. Várias vias são estimuladas pela sinalização do complexo FGF / FGFR tais como Ras-MAPK, PI-3 quinase / AKT e vias da PLC-y. Além disso, a sinalização do FGF também pode estimular a via de STAT1 / p21. A sinalização FGF / FGFR também fosforila as proteínas Shc e Src. O complexo FGF / FGFR desempenha papéis cruciais na regulação da proliferação, diferenciação e apoptose de condrócitos através de vias de sinalização a jusante. De: Su N et al. Bone Res 2014; 2:14003; doi: 10.1038/boneres.2014.3. Acesso livre. Reproduzido aqui apenas para fins educacionais.

Destaques

A fluazurona é uma droga bem conhecida, usada
principalmente para tratar a infestação por carrapatos em bovinos. Atualmente, está aprovada para o uso como uma terapia tópica, de aspersão, mas também pode ser administrada através de outras vias, incluindo a via oral. Foi demonstrado que é um fármaco de longa duração no organismo após a absorção, quer por via oral ou através da pele, e devido a esta característica é recomendado que seja utilizada uma vez por ano, apesar de o tratamento poder ser repetido se necessário (8,9).

A fluazurona já foi testada em várias espécies animais como um composto por via oral e parenteral, e a sua farmacocinética (PK, o estudo de como o corpo lida com uma droga - absorção, metabolismo, eliminação) e farmacodinâmica (PD, o estudo do efeito da droga no corpo) estão bem caracterizadas. Sua faixa de dose terapêutica tem sido demonstrado ser segura nos animais testados. As análises de PK e PD mostraram que a droga é eliminada muito lentamente do corpo (8-11).

Portanto, a fluazurona parece ser segura em baixas doses terapêuticas em animais e dura muito tempo no corpo. É uma molécula pequena que mostra uma ampla distribuição nos tecidos, incluindo fígado, músculo e principalmente gordura.

Dado o conhecimento atual sobre sua PK e PD e a informação proporcionada por este novo estudo no câncer de bexiga, creio que testar a fluazurona em um modelo de acondroplasia é algo a ser seriamente considerado.

Você percebe? Vamos dizer que ela funcione em um modelo de acondroplasia e seu perfil de segurança seja realmente bom. Uma droga de baixo custo, oral, que poderia ser utilizada três ou quatro vezes por ano para resgatar o crescimento ósseo na acondroplasia...

Do que precisamos? Um estudo (ou estudos) para confirmar se a fluazurona alcança a placa de crescimento (Figura 4) e os seus efeitos no FGFR3 mutante; quais seus efeitos nos condrócitos da placa de crescimento (consegue resgatar a proliferação e a maturação celular?); e os seus efeitos no crescimento ósseo em um modelo in vivo adequado.

Outras questões estão relacionadas à segurança. Por exemplo, a fluazurona afeta outras enzimas da família FGFR ou de outras famílias de enzimas? Dada a semelhança dos sítios ativos das tirosina-quinases receptoras (RTK, a forma como os pesquisadores chamam as enzimas como o FGFR3; revisto aqui), seria preciso verificar se a fluazurona é específica o suficiente contra o FGFR3. Há evidências oriundas dos estudos com animais que sugerem que sim, pois
não há relato de toxicidade relevante nas revisões sobre o produto (8,9).

No entanto, o problema aqui é que esta droga é velha; sua patente expirou e não seria rentável em comparação com uma molécula novinha. Ela cai na mesma situação da meclizina, do hormônio da paratireóide (PTH), das estatinas, outras terapias "antigas" que poderiam ser potenciais opções para o tratamento da acondroplasia, mas que não recebem atenção suficiente devido, pelo menos em parte, à falta de interesses econômicos.

Figura 4. Placa de crescimento.






O CNP resgata o crescimento ósseo em um modelo de ratos jovens de terapia com glicocorticóide (12).

Introdu
ção
 
Glicocorticóides são largamente utilizados para o tratamento de muitas doenças agudas e crônicas devido aos seus efeitos antinflamatórios e imunosupressores. O uso crônico de
glicocorticóides em crianças é conhecido por causar retardo do crescimento e pode levar à baixa estatura adulta.

Um análogo do CNP, vosoritide, está atualmente sendo testado em um estudo clínico de fase 2 em crianças com acondroplasia. Pode o CNP reverter o efeito do atraso de crescimento causado pelo uso crônico de glicocorticóides em crianças?

O estudo

O
pioneiro grupo japonês de Kyoto que tem explorado o uso do CNP para acondroplasia acaba de publicar um novo estudo no qual eles testaram se o uso do CNP em animais expostos ao uso crônico de glicocorticóides teria impacto no crescimento ósseo (12).

Basicamente, eles verificaram que o CNP foi capaz de resgatar significativamente o crescimento ósseo nos animais tratados em um grau perto do que foi visto nos animais não tratados (controles). Aqui estão as suas conclusões (copiadas dos destaques do estudo disponíveis no site da editora, aqui):

  • O CNP restabelece a crescimento do esqueleto devido à dexametasona em um modelo animal.

  • O CNP restaura a hipertrofia dos condrócitos da placa de crescimento que foi reduzida por dexametasona.
  • O CNP poderia ser um agente terapêutico para o atraso do crescimento induzido por glicocorticóides.

Destaques

Este é o primeiro estudo de que estou ciente que explora uma nova indicação clínica potencial para o CNP em animais em outras desordens do
desenvolvimento ósseo além da acondroplasia.

Uma vez que a utilização de glicocorticóides para o tratamento crônico de doenças inflamatórias ou autoimunes crônicas é comum durante a infância, e com base nestes resultados convincentes, pode-se inferir que os análogos do CNP poderiam ser usados para contrabalançar os efeitos de retardo de crescimento provocados por aquela classe de drogas nessas condições clínicas.

Isto leva-nos a um outra vis
ão oferecida pelo presente estudo, que é o fato de que o CNP pode ser utilizado em outras condições clínicas independentemente do estado do FGFR3.

Como consequência, o mercado potencial para análogos do CNP parece estar aumentando, o que é bom para os desenvolvedores de drogas interessado em investir em terapias para distúrbios de crescimento ósseo.

No entanto, existem várias outras indicações potenciais também à espera de serem incluídas no mapa de pesquisa do CNP, começando pela hipocondroplasia e
outras displasias ósseas dependentes da via MAPK (Figura 3), a via que é diretamente regulada pelo CNP. Esperamos que não sejam esquecidas.

E, finalmente, não haverá nenhuma surpresa sobre anúncios de futuros estudos clínicos para confirmar que o CNP ou seus análogos podem ser dados a crianças em uso de terapia
crônica com glicocorticóides.

Para uma revisão do CNP, clique aqui. Para uma revisão do desenvolvimento clínico do vosoritide, clique aqui.




Referências

1. Ke K et al. In silico prediction and in vitro and in vivo validation of acaricide fluazuron as a potential inhibitor of FGFR3 and a candidate anticancer drug for bladder carcinoma.
Chem Biol Drug Des 2016. doi: 10.1111/cbdd.12872. [Epub ahead of print] 


2. di Martino E et al. A decade of FGF receptor research in bladder cancer: past, present, and future challenges. Adv Urol. 2012;2012:429213. Acesso livre.

3. International Network for Cancer Treatment and Research. Cancer in developing countries. Published online at: http://www.inctr.org/about-inctr/cancer-in-developing-countries/.
Acesso livre.

4. Goldstein DA et al. Global differences in cancer drug prices: A comparative analysis. J Clin Oncol 34, 2016 (suppl; abstr LBA6500). Presented at 2016 ASCO Annual Meeting.
Acesso livre.

5. Lopes Jr. GL et al. Access to cancer medications in low- and middle-income countries. Nat Rev Clin Oncol 2013;10: 314–22.

6. Strittmatter SM. Overcoming Drug Development Bottlenecks With Repurposing: Old drugs learn new tricks. Nat Med 2014; 20 (6):590-1.
Acesso livre.

7. Ornitz DM and Marie JP. Fibroblast growth factor signaling in skeletal development and disease. Genes Dev 2015; 29:1463–86.
Acesso livre.

8. European Medicines Agency. Veterinary Medicines and Inspections. Committee for Medicinal Products for Veterinary Use. FLUAZURON. Summary report (2). EMEA/CVMP/126892/2006-FINAL. April 2006. Available online at: http://www.ema.europa.eu/docs/en_GB/document_library/Maximum_Residue_Limits_-_Report/2009/11/WC500014284.pdf.
Acesso livre.

9. FAO/UN. Residues of some veterinary drugs in foods and animals 1997. Fluazuron. Available online at: http://www.fao.org/fileadmin/user_upload/vetdrug/docs/41-10-fluazuron.pdf.
Acesso livre.

10. Gomes LVC et al. Acaricidal effects of fluazuron (2.5 mg/kg) and a combination of
fluazuron (1.6 mg/kg) + ivermectin (0.63 mg/kg), administered at different routes, against Rhipicephalus (Boophilus) microplus parasitizing cattle. Experiment Parasitol 2015;153:22–8.

11. Pasay C et al. An exploratory study to assess the activity of the acarine growth inhibitor, fluazuron, against Sarcoptes scabei infestation in pigs. Parasit Vectors 2012;5:40.
Acesso livre.

12. Ueda Y et al. C-type natriuretic peptide restores impaired skeletal growth in a murine model of glucocorticoid-induced growth retardation. Bone. 2016 Nov;92:157-167. doi: 10.1016/j.bone.2016.08.026.



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